fevereiro 21, 2015

“Legend of Zelda: Skyward Sword” (2011)

Para quem quer desenhar videojogos, “Legend of Zelda: Skyward Sword” (2011) é uma masterclass completa na arte do design de videojogos. Nunca encontrei jogo mais completo neste domínio, não ficou praticamente nada de fora, em termos de códigos expressivos da linguagem dos videojogos, está lá tudo, algumas coisas trabalhadas de modo extremamente inspirado, outras menos, mas é sem dúvida uma obra que põe em evidência toda a experiência acumulada por esta equipa, ao longo de 25 anos. O maior problema acaba sendo a estrutura narrativa que claramente perde em detrimento do videojogo, e será sobre isso que me irei debruçar.





Pela primeira vez cheguei ao final de um jogo da série, apesar de apenas ter jogado outros dois jogos antes: o primeiro, "Legend of Zelda" (1986) num emulador PC, e depois “Legend of Zelda: Ocarina Of Time” (1998) na N64. Interessante que estes três jogos representem o melhor que já se fez na série para o produtor Aonuma. Nunca terminei Ocarina of Time porque a consola em que jogava não era minha, por isso o contacto que tive com o jogo foi de algum modo limitado. De qualquer modo, reconheço em Skyward Sword imenso do que joguei em Ocarina of Time, assim como um amadurecimento e alargamento das possibilidades.

O elemento crucial de “Legend of Zelda: Skyward Sword” está na fantasia escapista. Assim que carregamos o nosso jogo e se abre o ecrã já dentro do mundo, a fantasia começa, sentimos as amarras da realidade desprenderem-se, somos totalmente transportados para o universo, e por ali nos podemos quedar bastante tempo, sem grande necessidade de voltar à realidade. Na verdade, passei ali mais de 70 horas, nunca antes dediquei tantas horas, de jogo efectivo, a qualquer outro videojogo. Sim, por várias vezes tive de recorrer à persistência, paciência, e vontade determinada para chegar ao final, mas fora esses momentos, voltar a Skyloft foi sempre um desejo carregado de agrado.

Para esta fantasia contribuem fortemente o design, a arte visual e musical, assim como uma programação completamente limpa de erros. A arte encarrega-se de criar as fronteiras do nosso imaginário material, enquanto o design se encarrega de nos motivar a agir e participar, funcionando arte e design em total sintonia, gerando a crença no universo e a vontade de aí investir o nosso tempo.

Os puzzles espaciais, gráficos e sonoros assim como de ação socorrem-se imenso das convenções da linguagem do meio, conseguindo ainda assim surpreender, por vezes pelo experimentalismo, outras vezes pela tecnicidade, outras ainda pelo detalhe e requinte do desenho. E é tudo isto que torna “Legend of Zelda: Skyward Sword” tão magnífico, não precisando de inventar, de inovar a todo o passo para nos tocar, nos deslumbrar. Sente-se que todo o design foi concebido com enorme atenção, optando por grande elevação nos parâmetros qualitativos, mas sente-se mais do que isso, que é tudo feito com enorme paixão pela arte, já que não se trata apenas de fazer muito bem, mas fazer bem seguindo as lógicas partilhadas pelo meio, mantendo vivo o que é bom, e procurando melhorar o que ainda pode ser melhorado.

Com tudo isto que disse até aqui, que se poderia pedir mais? Na verdade, em termos de design de jogo, nada mais gostaria de pedir, os problemas surgem quando se pensa a experiência como um todo, nomeadamente quando percebemos que existia uma história muito interessante por detrás de "Legend of Zelda: Skyward Sword", mas que acaba por ser totalmente sufocada pelas necessidades do design de jogo. O design tem tanta qualidade que quase poderia passar sem a narrativa, contudo se o fizesse, estaríamos a falar de um género de jogo completamente diferente, algo mais como "Super Mario" ou "Rayman", mas na verdade não é a esse género que "Legend of Zelda: Skyward Sword" aspira. Vejamos porquê.

As mecânicas de "Legend of Zelda: Skyward Sword", por fugirem à relação com a história, vão-se enfatizando, tomando conta de toda a experiência, e dessa forma acabam emergindo os seus aspectos menos relevantes, nomeadamente quando falamos de experiências estéticas. Ou seja, começamos a sentir o lado lógico e matemático do design, a afastar-nos da componente orgânica e analógica própria dos universos habitados por vida. Um destes elementos mais problemáticos está no uso dos múltiplos de 3: existem 3 grandes áreas no jogo; 3 pedras preciosas; 3 trials; 3 chamas; 3 músicas, e mais uma que está dividida em 3 partes; 3 forças; cada boss surge 3 vezes ao longo de todo o jogo, com ligeiras modificações, e de cada vez temos de os derrotar em 3 vagas.

Para estigmatizar ainda mais esta dissociação, entre o lógico do design e o orgânico narrativo, a estrutura do jogo foi estendida muito para além do que a narrativa em questão poderia suportar, criando-se aquela sensação frustrante, de que nos estão a enganar, a manter presos, sem razão aparente. De cada vez que solucionamos um conjunto de 3 componentes percebemos que não era o fim, mas apenas um meio para a iniciar nova busca de mais 3 componentes: pedras -> chamas -> trials -> músicas -> forças -> bosses. Em termos de design de jogo, isto não apresenta qualquer problema, antes pelo contrário, todas estas lógicas são delineadas de um modo, que diria perfeito.

Mas quanto à experiência de videojogo, quando se desenha um pico de tensão muito intenso espera-se que ele tenha consequências, que ele não seja apenas um aspecto manipulativo de emoções. O jogador até pode aceitar que se faça isso uma vez, em jeito de teste às expectativas, mas quando percebe que uma e outra vez se lhe tira o tapete, se lhe diz que existe sempre e sempre, algo mais a conquistar antes de chegar ao destino prometido, entra-se por um caminho perigoso no desenho da experiência. O jogador começa a sentir-se desrespeitado em termos emocionais, passa a encarar o artefacto como a vontade de um autor, colocando-o no lugar do artefacto, sentindo-se totalmente à mercê das suas vontades, de repente percebe-se a si mesmo como mero rato de labirinto, correndo desalmadamente, ansiando por abrir a porta escapatória, sem fazer a menor ideia do como e quando isso poderá acontecer.

Entrando num plano mais técnico, Zelda apresenta alguns problemas, nomeadamente por fazer uso de algumas convenções totalmente ultrapassadas, no próprio ano de lançamento em 2011. Falo concretamente de dois aspectos: os diálogos - em texto, demasiado lentos, quase sempre redundantes; e a câmara - semi-estática, obrigando a constante ação da nossa parte para posicionar Link e câmara num ângulo de visão jogável. Entristeceu-me particularmente a questão da câmara, porque nos últimos anos realizaram-se grandes avanços na gestão e design de câmaras para terceira-pessoa.

Por outro lado, um ponto técnico extremamente positivo foi o aproveitamento das propriedades da interface Wiimote, que fazem “Legend of Zelda: Skyward Sword” o melhor exemplo do potencial desta interface. Contudo, assim como demonstra o potencial, demonstra muito claramente porque não vingou nos videojogos, porque uma coisa é jogar 20 minutos de Wii Sports, outra completamente diferente é estar 4 horas seguidas a manobrar o Wiimote.


No fim, interessa pouco se salvamos Zelda porque apenas interessa vencer o jogo. O design de jogo de “Legend of Zelda: Skyward Sword” é assim o seu melhor, assim como o seu pior. Provavelmente é a obra com melhor design de jogo que alguma vez joguei. Completo, total, essencial, brilhante. Mas por ser tão bom, enquanto jogo, ofusca totalmente o resto, diminuindo uma experiência que tinha tudo para se tornar uma referência. Interessante como “Legend of Zelda: Skyward Sword” acaba por frisar e enfatizar ainda mais a relevância de “The Last of Us” no meio.

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