agosto 24, 2007

comics, tecnologia e convergência

A semana passada estando de férias aproveitei para revisitar os meus queridos heróis Marvel. Constatei no entanto que a editora já não era a Devir mas sim a Panini Comics de Espanha através de uma espécie de delegação para tradução portuguesa. Não faço ideia para já do porquê deste aparecimento mas olhando para o caso brasileiro parece-me que, em breve, vamos deixar de ter publicações Marvel pela Devir. Sendo a Panini a detentora dos direitos de publicação mundial é natural que passe a editar os comics por cá até porque os preços são um bocadinho mais apelativos que os da Devir e a qualidade, neste caso, é bastante semelhante.

Nos últimos anos a Marvel ressurgiu em força através dos enormes sucessos obtidos pelas adaptações cinematográficas (Spider-man, X-men, Fantastic Four) contudo aquilo que a Marvel representa para mim é algo bem mais intenso que um blockbuster de duas horas. Longas tardes de sol e chuva da minha infância e adolescência. Coleccionei durante anos as várias publicações da editora Abril brasileira. Publicações como Heróis da TV, Superaventuras Marvel, Homem-Aranha, Capitão América e O Incrível Hulk fizeram as delícias de muitos anos. Aliás tenho ainda guardados em casa dos meus pais centenas de livros destes tempo. É verdade que hoje já não tenho paciência para ler um livro Marvel em português do Brasil por variadíssimas razões, desde as expressões coloquiais que se vão perdendo por falta de proximidade à cultura brasileira até aos nomes dos heróis que foram traduzidos e são bem diferentes dos originais ingleses. No entanto, tenho de confessar que o revisitar das capas dos anos 80 me dão alguns arrepios provocados pelas recordações desses maravilhosos e inocentes tempos. Ainda me recordo de coleccionar maniacamente durante anos as páginas do famoso Dicionário Marvel que vinham agregadas a cada uma das revistas.


No caso brasileiro, foi no início deste milénio que a editora Abril, que foi durante décadas a marca Marvel na língua portuguesa, deixou de possuir os direitos de publicação por opção da Panini. Olhando para este caso julgo que isto será o próximo passo em Portugal também. De qualquer forma julgo que o futuro, à semelhança dos jornais, irá em breve deixar de passar pelo papel para se converter por completo em digital. Inicialmente eram os próprios fans que faziam scans das edições em papel e as colocavam online tendo inclusive criado um formato de ficheiro, o CBR (Comic Book Reader) que não era mais do que um agregador de jpgs. Mas depois disto a própria Marvel criou toda uma área no seu website dedicada às publicações em formato digital, o Digital Comics. Nesta área do site é possível ler os comics, mediante o óbvio pagamento, em vários modos diferentes.

O site da Marvel permite o chamado "smart panels" que apesar de não ser perfeito é dos mais interessantes que tenho visto. Os painéis vão aparecendo no ecrã em modo ampliado e seguindo para os painéis seguintes sempre em zoom. Este modo torna o modo de leitura um pouco mais complexo mas permite admirar a arte em todo o seu esplendor. O maior problema da adaptação dos comics em papel para o modo digital está inteiramente relacionado com a evolução da linguagem comic operada nos últimos anos. Passou-se de pranchas perfeitamente divididas nos famoso "quadrinhos" para manchas de página onde a representação de cenas já não obedece à divisão linear dos espaços da prancha mas que onde pode haver sobreposições ou cruzamentos, onde os elementos podem fazer parte de mais que uma cena simultaneamente e onde a regra da leitura horizontal é constantemente quebrada com cenas elaboradas em modo vertical ocupando parte ou toda a extensão da prancha.


À esquerda uma prancha típica dos anos 80, à direita do final dos anos 90


Isto representa um claro problema para a leitura em formato digital. A leitura em modo digital pode ser realizada em vários modos distintos desde o normal desktop, ao portátil passando pelo pocket pc, leitores portáteis de media (video ou livros) ou consolas (PSP). O normal será utilizar o desktop ou portátil para ler e aqui o problema que esta estrutura levanta é o facto de não podermos aproximar ou distanciar facilmente a imagem como fazemos na leitura de um comic em papel quando precisamos de olhar com atenção os detalhes para compreender completamente a mensagem. Desta forma, estes dois meios são claramente inadequados para a leitura imediata e sem obstáculos que a complexidade da representação requer. Neste sentido os meios portáteis como os leitores de media ou a PSP parecem-nos de todo mais interessantes pelo facto de podermos facilmente manusear a "imagem" tal como com o livro de comics. O Pocket PC é demasiadamente pequeno tanto para apreciar a arte como para ler os balões.

Posto tudo isto deveremos pensar ainda na necessidade ou possibilidade de poder utilizar o leitor em qualquer lugar tal como faríamos com os comics. O ideal seria ter uma espécie de máquina ultra-mobile na qual convergissem todas as nossas necessidades digitais diárias para não ter de transportar máquinas dedicadas para cada função: música, video, comics, livros, gps, pda, telemóvel. Isto porque, não é de todo viável pensar em transportar toda este parafernalia tecnológica atrás de nós cada vez que nos deslocamos para qualquer lado de carro ou a pé.

Assim o ideal seria utilizar um único gadget que pudesse incorporar todas estas funções para que o simples acto de querer ler um comic, ouvir uma música ou ver um filme enquanto no metro ou no pendular fosse perfeitamente possível e agradável. Esse gadget ainda não existe apesar da PSP ser dos que mais se aproxima desse ideal, ao ser plataforma de jogos, leitor de media e com adaptadores externos, também gps, pda, tuner de tv e telefone voip.

É óbvio que esta convergência e esta evolução tecnológica trará impactos sobre a produção de conteúdos, nomeadamente sobre as questões dos direitos de autor. Esse impactos fizeram sentir-se já sobre a indústria musical, entraram na indústria cinematográfica e já se começam a sentir na indústria da BD. Mas sobre isso falaremos num próximo post, deixando desde já aqui um apontamento sobre reflexões recentes considerando a temática. A evolução do formato digital terá um forte impacto na democratização da sociedade consumista de excelência liberal e capitalista.

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