julho 30, 2011

Generalistas e Especialistas

A propósito do artigo "Defending The Generalists In The Web Design Industry" que a Smashing publicou esta semana que passou, resolvi voltar a um texto que tinha deixado a meio há meses atrás, sobre as questões dos Especialistas e da Especialização. Muitos dos pontos nesse artigo são válidos, não apenas para o Web Design mas para todo o campo da criação digital. Vou até mais longe, este texto aponta problemas comuns também na Investigação Científica como a separação entre investigadores multidisciplinares (próximo da categoria generalista) e os disciplinares (próximos do especialista).


O artigo de Paulo Boag é antes de mais dirigido aos generalistas, e como tal é sobre esses que nos fala, embora por exclusão de partes acabe por falar dos especialistas. Dois pontos de grande importância, aqui analisados são - as motivações e os perigos - de ser um Generalista.
Motivações para Ser Generalista
. A sede de variedade.
. Ter uma equipa pequena.
. Ser freelancer.
. Ser responsável de I&D
. Gerir negócio próprio
Destas motivações, apenas a primeira é de natureza humana, as restantes são mais de variante logística. Deste modo e tendo em conta que poderão estar aqui em jogo motivações que não são intrínsecas, interessa perceber que perigos existem para quem enverede por esta abordagem.
Perigos de Ser Generalista
. A constante luta para demonstrar o seu valor
. A constante corrida contra-tempo da aprendizagem
. Os limites do generalista
Como nos diz Boag, ser generalista não tem mal nenhum, mas não deve ser encarado como "um mar de rosas", porque não o é. O generalista, assim como o investigador multidisciplinar, é alguém que tem de estar constantemente a demonstrar o seu valor, porque não sendo especialista em nada em concreto, dificilmente se destaca em face dos especialistas. Por outro lado, e dado esta necessidade de demonstração constante, a pressão para estar a par de tudo sempre é gigantesca e isso claramente conduz-nos aos limites que possui um generalista.

Diagrama de Dave Gray

Estou aqui claramente a falar da minha perspetiva enquanto investigador que cruza várias disciplinas científicas desde a informática, o design e a comunicação, à arte, à psicologia e à sociologia. Como generalista, ou investigador multidisciplinar, é necessário conhecermos muito bem esses limites, e saber delegar as tarefas em especialistas. Temos de saber rodear-nos de pessoas que sejam especialistas, e desenvolver meios de comunicação e colaboração que funcionem com cada um deles. Aliás esta é a mais valia do generalista, a sua capacidade de comunicação, de compreender o que os especialistas têm a dizer, e de transmitir-lhes o que se pretende.

Este diagrama de Anita Hart defende que o Generalista possui pelo menos um dominio no qual é especialista.

Neste sentido deixo aqui um traçado das necessidades clássicas de conhecimento para um Investigador em Digital Arts e Media, logo seguidas pelas necessidades específicas que requerem aprendizagem diária. 


Unidades de Conhecimento
1 - Arte – Teorias de Videojogos, Cinema, Drama, Fotografia, e Pintura.
2 - Informática - Novas plataformas de criação e novas abordagens de scripting.
3 - Design - Novos processos, métodos de decisão e abordagens problem-solving.
4 - Comunicação - Teorias dos Media (TV e Internet) e Publicidade
3 - Psicologia - Teorias da Emoção e Cognição
5 - Sociologia – Impactos na Sociedade e Metodologias de Investigação

Na especialidade falamos de,

Composição Visual e Motion (Arte)
. Forma e Composição
. Animação e Literacia do Movimento
. Percepção Visual
. Software: Photoshop, Illustrator, AfterEffects, Blender, Cinema 4d, Etc.

Authoring (Informática)
. Lógica e Interatividade
. Linguagens de Scripting
. Software: Actionscript, UnityScript, Processing

Design de Interacção (Design)
. Conversação e Comunicação Não-verbal
. Brincar e Jogar (Interactividade)
. Hardware: Kinect, Touch, e Sensores

Público (Comunicação, Psicologia, Sociologia)
. Experiência do Utilizador (UX)
. Emoção e Cognição
. Memória e Aprendizagem
. Usabilidade e Validação


Esta não é de todo uma discussão de agora, que até foi mais impulsionada pela vontade de fazer uma listagem das minhas necessidades diárias de informação. O nosso sistema atual de ensino superior vive obcecado com esta dicotomia. A licenciatura versada na generalidade, ou a chamada aprendizagem de banda-larga, e a pós-graduação (Mestrado e Doutoramento) na especialização. Neste sentido e para quem estiver interessado em perceber melhor as vantagens do generalismo, ficam aqui uns slides de 2005 de Steve Hardy.

2 comentários:

  1. Mais uma vez, excelente resumo Nelson. Sendo eu um "ex-generalista" ou melhor um generalista em vias de especialização, posso acrescentar alguns pontos:

    Cresci assim, principalmente devido a uma curiosidade e uma vontade de aprender acerca de tudo o que me fascinava. Queria conceber, modelar, riggar, renderizar, design gráfico, etc, etc, todos os passos da criação, se houvesse um passo que iria adicionar valor ao todo, teria que aprender também esse passo. Mais uma vez estas noções fazem particular sentido no âmbito da criação digital como referiste.

    Porém, a determinada altura senti que bati num tecto invisível, já tinha conhecimento em diversas áreas, mas estava a ser muito difícil, ou até mesmo impossível, acompanhar todos estes aspectos da produção que estão em constante desenvolvimento e mutação, ainda para mais, devido ao exponencial crescimento de "tudo", são temas que se tornam cada vez mais complexos e específicos.

    Nesta altura somos obrigados a tomar decisões, no meu caso, "deitar fora" quase 10 anos a trabalhar em Maya (3D) e passar para o Photoshop (2D) parecia-me impensável.
    Como tal decidi unir conhecimentos, deixar partir aquilo que menos me apelava e optar pela especialização. É uma decisão difícil, ainda apara mais um Portugal, onde os "Jake of all trades" são largamente apreciados (Porquê 10 se 1 consegue fazer tudo?). Basicamente decidi fazer concept art utilizando também 3D.

    Para finalizar, ser generalista ajudou-me a conhecer quase todos os passos de um pipeline de criação digital, ajudou-me a entender as necessidades e possíveis problemas de cada um destes passos, mas principalmente, ajudou-me a escolher a vertente que de entre todas as outras mais me agradava, e só após ter conhecimento e experimentar todas as possibilidades, é que fui capaz de escolher uma.

    Agora como "wannabe" concept artist possuo uma bagagem de conhecimentos que se calhar de outra maneira não teria adquirido. Mas sem dúvida, especialização é o rumo a tomar, principalmente se queremos realmente vingar na nossa área de interesse, na minha opinião, é a única opção.

    ResponderEliminar
  2. Obrigado pela partilha do teu caminho, julgo que este é o melhor modo de lidar com isto.
    É um dilema que por vezes resulta em problema. Aliás ao longo do tempo vários alunos me têm questionado sobre como fazer para continuar a par de tudo o que vai saindo, ou como escolher aquilo que devem deixar para trás e aquilo em que devem investir.
    Outros vã-se mesmo abaixo com tanta possibilidade, escolha, e indeterminação.

    Na verdade acredito que só partilhando os dilemas, conversando e ouvindo outros relatos, outros processos de escolha poderemos dar resposta a isto.

    No meu caso próprio, nunca encontrei uma solução, e acabei por fazer da multidisciplinaridade e generalidade o meu caminho. Mas é algo que todos os dias pesa, e que muitas vezes ao longo do caminho me faz parar para pensar, reflectir e questionar, se fiz bem. Se não teria sido melhor abandonar tudo e seguir o 3d, ou seguir apenas o motion graphics, ou seguir a programação, ou seguir a animação, ou então mesmo apenas e só dedicar-me a um campo teórico delimitado. Analisar os videojogos apenas da perspectiva da sociologia, ou da psicologia. Sei lá.
    Acho que não escolhemos muito, acho que as coisas se encarregam de nos escolher :)

    ResponderEliminar