agosto 24, 2011

Kells: cinema, arte, ilustração e videojogos

"The Secret of Kells" (2009) é uma obra-prima no campo da animação. Com todo um universo visual muito próprio, e uma forma de contar a história em consonância, funciona como um sopro de diferença no meio das grandes produções de animação internacionais. Kells é um produção Irlandesa independente com suporte de equipas de animação e efeitos visuais de países como a França, Bélgica, Hungria e Brasil.


Não ganhou os Oscars em 2010, e em Annecy em 2009 ficou-se pelo Audience Award, no entanto não lhe faltam grandes prémios no currículo. Em 2010 o Oscar foi para Up (2009) da Pixar. Realmente Up é também um dos melhores filmes de sempre da Pixar, no entanto olhando para a filmografia daquilo que a Pixar já produziu Up não é tão diferente como isso. Em face da restante concorrência desse ano - Coraline, Fantastic Mr. Fox e The Princess and the Frog - julgo que a atribuição foi dada com pouca consciência. Aliás o mesmo aconteceu em Annecy em que o prémio foi ex-aequo para Coraline e Mary and Max. Digo isto porque The Secret of Kells é sem dúvida a única obra deste lote que se apresenta num tom inovador, ao nível da arte, ilustração, e animação. Ainda que suportada por uma obra anterior (um livro gráfico) consegue criar todo um universo próprio, muito diferente das concepções atuais.


No campo da ilustração é um deslumbre olhar para o filme, cena a cena, ambiente a ambiente, atmosfera a atmosfera. Somos transportados por entre diferentes mundos que forma um todo coerente e misterioso. A própria animação destes quadros é pouco convencional, não se centra demasiado em tornar a montagem invisível, mas sim em gerar dinâmica visual, faz lembrar algumas séries de animação menos mainstream. Mas o que achei ainda mais interessante é que a estrutura narrativa, podia facilmente ter sido adaptada de um videojogo e não de um livro. Aliás esta não é uma discussão nova, já em tempos a tive esta discussão com colegas de Storytelling Interactivo a propósito das lendas inglesas, uma das quais foi recentemente adaptada para cinema, Beowulf (2007). A forma como estas lendas se caracterizam no formato de aventura, da quest. O messias que vem para salvar, a ultrapassagem de obstáculos, o encontrar de novas forças, o aparecimento de magias e mistérios, e o salvar de uma comunidade. Tudo isto trespassou para o universo dos videojogos, e voltou a consagrar-se como um modelo de narrativa nobre. Em The Secret of Kells é também isso que se sente, essa estrutura formada por uma lógica de progressão, em que os personagens são importantes mas não são centrais, fazem antes parte de um enredo maior, de um colectivo que trabalha para um fim, neste caso salvar "o livro".


The Secret of Kells conta uma história enfabulada de um livro real, The Book of Kells. O livro de Kells é um daqueles livros produzidos na idade média por monges escribas nos mosteiros da Irlanda, Escócia e Inglaterra. Este livro em concreto está cheio de arte e ilustração de uma qualidade impressionante. Terá sido produzido ao longo de três séculos daí que não admire a quantidade de labor, detalhe e qualidade que o livro apresenta.


The Secret of Kells pega na história do livro e na sua arte e cria um filme de animação que nos transporta por entre ambos os mundos, o histórico da produção e preservação e o da criação e estética do mesmo, formando um conjunto brilhante.


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