dezembro 18, 2011

José e Pilar (2010), a simplicidade da vida

Tenho de confessar que ainda não tinha visto o filme, vi-o ontem à noite finalmente, e fiquei muito emocionado. José e Pilar (2010) é um retrato fiel do que é ser-se humano, no qual a genialidade humana é resumida através de uma surpreendente simplicidade, em que somos conduzidos pela vida sem dogmas, transcendências ou mistérios. É um filme frontal que luta por um posicionamento justo na relação entre humanos, contra as ideias de ordem política, religiosa, ou sexual que oprimem, impõem, ou discriminam.


O filme nasceu das imagens recolhidas, por Miguel Gonçalves Mendes e a sua equipa da JumpCut, ao longo de 4 anos (2006-2009), na intimidade de José Saramago e Pilar del Río. Ao longo dos últimos anos de vida de Saramago, Miguel Gonçalves Mendes gravou 240 horas de imagens e sons de depoimentos, desabafos, suspiros, e muito amor. Por momentos podemos até pensar que José e Pilar é o que é por causa dos seus protagonistas serem quem são. Se não é menos verdade, que sendo quem é nos entusiasma, mais ainda sabendo que estamos a presenciar os últimos dias de alguém, aquilo que é preciso dizer é que esta não é uma obra de José Saramago mas do Miguel Gonçalves Mendes.


São quatro anos reais, resumidos em duas horas que nos apresentam uma realidade re-construída com base no melhor que a gramática fílmica tem. Miguel Gonçalves Mendes construiu uma obra que nos carrega, nos conduz, nos condiciona e emociona. Temos aqui uma narrativa plena, não há lugar ao meramente descritivo, apenas à dramatização. Por vezes quase que esquecemos que é um documentário, que são pessoas reais, que não há guião, nem ensaio, que não há direcção de actores que o que vemos são vidas que se desenrolam em frente a uma câmara. E isto acontece porque o trabalho realizado, tanto na captura das imagens, nas entrevistas e construção de questões, como depois na selecção e edição é de uma enorme qualidade. E só esta qualidade é que permite que o filme quase se apague, se torne invisível, e nos dê apenas a sentir José e Pilar, ainda que pelos olhos de Miguel Gonçalves Mendes.


A música ajuda muito, é um documentário carregado de música, não apenas para encher a paisagem sonora, mas para conduzir a narrativa. Faz parte da linguagem, porque o meio é não apenas visual, mas também sonoro. A banda sonora é aqui ainda mais importante uma vez que grande parte da construção dramática é construída sobre fragmentos de realidade. O filme fica assim a dever bastante à excelência do trabalho de David Santos, aka Noiserv.

"Nascer, viver e morrer. E acabou. Mais nada." Saramago in José e Pilar (2010)


Impressiona como a simplicidade nos torna mais lúcidos, menos ansiosos, e mais humanos.

Sem comentários:

Enviar um comentário