maio 19, 2012

Entrevista com Pedro Mota Teixeira

Depois do enorme sucesso que foi o video clip Sexta Feira do Boss AC resolvi fazer algumas perguntas ao Pedro Mota Teixeira criador do vídeo. O Pedro é para além de um excelente profissional, uma pessoa de uma enorme simpatia e humildade, digo-o porque tenho trabalhado com ele no âmbito do seu doutoramento em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho nos últimos anos, e não deixa de me surpreender. Com 37 anos é licenciado em Design de Comunicação e Mestre em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e é neste momento o director da Licenciatura em Design Gráfico do IPCA.


1 - Começaste pela Ilustração e BD, como é que passaste para a Animação, e depois para a Animação 3D?
:: Sim, comecei pela Banda Desenhada muito cedo. Com 16 anos ganhei dois prémios nacionais de BD (ainda estava no secundário, a frequentar a Escola Artística Soares dos Reis, no Porto). Depois, já na faculdade, continuei a desenvolver ilustração e BD, com mais alguns prémios – ganhei 3 anos seguidos o concurso de BD de Matosinhos, organizado pelo Salão de Banda Desenhada do Porto. Neste enquadramento, fui publicando alguns livros e, quando acabei a licenciatura, fui "recrutado" (soube mais tarde, à custa destes prémios) pela produtora Miragem, para trabalhar no projecto de TV "Major Alvega", para o qual desenvolvi, inicialmente, toda a ilustração, desenhando directamente numa "wacom", e, mais tarde, quando houve necessidade de aumentar a equipa para acelerar todo o processo de animação, fiquei responsável por essa equipa multidisciplinar que ia da ilustração à animação 2D e 3D.
Para poderes entender como tudo isto se desenrolou, tenho que voltar um pouco atrás… Os meus primeiros passos na animação foram guiados pelo Prof. Clídio Nóbio, na altura docente na Escola Artística Soares dos Reis, um homem da animação, que me deu a conhecer a Cinanima, alguma documentação mais "pesada", etc. Sempre fui muito pró-activo, daí ir desenvolvendo, na faculdade, trabalho nas áreas do 2D (flash, sobretudo) e 3D (lembro-me de desenvolver projectos na UC de Vídeo que misturavam 3D com imagem real, coisas muito amadoras, e de me apontarem como sendo “demasiado ilustrativo”. Aliás, devo dizer que o design só, não me completava, tinha alguma necessidade de pôr tudo a mexer!
Mais tarde, na Miragem, tinha as condições todas para evoluir: equipamento profissional, uma equipa muito competente e muita vontade de trabalhar! Fui quase obrigado a tirar, num ano e meio, um curso intensivo em várias aplicações. Sempre me senti confortável com a animação, apesar de, na altura, o 3D estar entregue a outros profissionais, o António Gonçalves (Seed Studios, e Linha de Terra) inicialmente, e o Luís Felix mais tarde (meu incansável amigo com quem há muitos anos comecei nestas andanças). A minha preocupação era conhecer o mais possível as técnicas digitais (2D e 3D) para poder gerir as necessidades de cada sector. Julgo que a minha grande contribuição na altura foi precisamente ter criado uma "linha de montagem", ter recrutado as pessoas certas e ter sido muito rigoroso com a estética da série (a minha costela de designer formado pelas Belas Artes: questões de composição, iluminação, expressão, sempre foram importantes). No final fomos nomeados para os Emmys.
Na Animago, apesar de me focar mais na realização, não deixava de explorar todos os sectores. Nos últimos seis anos, por razões académicas, de facto, tenho investido mais no 3D, mas não quer dizer com isso que privilegie esta técnica. Pelo contrário, aprecio a diversidade das técnicas da animação.



2 - Tanto trabalhas em 2D, como em 3D. É semelhante, é fácil para qualquer animador fazer esse cruzamento de dimensões?
:: Não é. Mas julgo que o mais importante para um animador é saber animar nos moldes tradicionais. Do meu ponto de vista, o computador é mais uma ferramenta, assim como o 3D é mais uma dimensão. É por isso que a Pixar recruta animadores com profundos conhecimentos da animação clássica. Claro que o domínio do software é importante, mas a animação não melhora por ser feita num ou noutro software, é a visão do animador que traz os resultados, independentemente de trabalhar no 3DS, Blender ou no Maya. Para mim, quando o animador tem as noções certas de timing, da importância da luz, da volumetria das sombras, da continuidade de planos, da interpretação da personagem, etc, o 3D traz imensas vantagens. E deixa-me acentuar que não tenho a visão que a “transformação do desenho” seja exclusivo do 2D. Não é um acaso que, nos últimos anos, curtas e longas criadas em 3D tenham arrecadado todos os grandes prémios internacionais. Aliás, a maior parte dos “dinossauros” actualmente já incorpora 3D nos seus projectos, seja de uma forma assumida ou dissimulada. Uma das vantagens do digital, nomeadamente do 3D, é a sua resiliência e capacidade de absorver uma infinidade de disciplinas e de estéticas.



3 – O teu projecto "Pedro e o Gato" é um sucesso na área da animação em Portugal, com a tua empresa de audiovisuais “Animago” acontecera o mesmo, qual é o teu segredo?
:: Julgo que na altura, o sucesso da Animago surgiu porque os principais recursos humanos da Miragem “transitaram” de uma empresa para outra, para além de, confesso, haver na altura falta de bons animadores virados para o mercado. Julgo que a Animago, no Porto, foi pioneira com a prestação de serviços de animação digital para genéricos televisivos, apresentações multimédia, cruzamento da imagem real com animação digital, o que agora designamos de “motion graphics”, etc.
A “Pedro e o Gato”, surge muito simplesmente porque, a determinada altura, me cansei de todo o frenesim que é desenvolver dezenas e dezenas de trabalhos comerciais, e também porque me sentia distanciar cada vez mais da criação (sendo sócio-gerente e director criativo, passava os meus dias em reuniões e viagens). Decidi, então, que estava na altura de desenvolver projectos com mais tranquilidade, e que me realizassem doutra forma. Claro que isso entrava em conflito com a Animago, que existia muito convictamente para prestar serviços ao mercado.
Nessa altura surgiram várias propostas, e aceitei o desafio para assumir a direcção do Curso de Design Gráfico no IPCA (Instituto Politécnico do Cávado e do Ave), participar na criação do MIA (primeiro mestrado público em Ilustração e Animação), conjuntamente com a Paula Tavares e a Marta Madureira, e dar apoio no desenvolvimento de um super laboratório de jogos digitais que, finalmente, irá surgir ainda este ano.
No fundo, em vez de Pedro Mota Teixeira, temos a “assinatura” do gato, que é uma imagem de marca que tinha criado na altura da Animago. Em tudo o que faço (sempre que possível) coloco sempre um gato preto ☺. Foi a forma que encontrei de se identificar facilmente o meu trabalho. E tem funcionado, ouço malta a dizer-me: “Sabes como sei que o filme é teu? Vi um gato preto no genérico, é teu não é?”.




4 - Muito do trabalho 3d em Portugal é feito no campo da publicidade, mas tu tens trabalhado acima de tudo para TV/Cinema (curtas, séries, genéricos, vídeo-clips). Por alguma razão em concreto, é uma opção ou tem mais a ver com a tua rede de contactos?
:: É uma opção pessoal. Normalmente em genéricos e videoclips tenho espaço criativo. Neste momento tenho a sorte de poder aceitar participar em projectos quando são de cariz autoral, quando me permitem explorar diferentes experiências estéticas e, sobretudo, quando me permitem estudar questões ligadas à criação de personagens, a minha área de doutoramento, e de interesse pessoal.


5 - Em termos de trabalho, para quem quer trabalhar na área, existe alternativa ao trabalho empresarial e/ou freelance na área da animação, dos audiovisuais, no fundo das áreas criativas? Em Portugal e mesmo internacionalmente.
:: Como docente preocupam-me as saídas profissionais dos alunos. A minha experiência diz-me que, felizmente, há muitos casos de sucesso. É necessário que o aluno seja competente, saiba pensar e executar; mas a forma como se posiciona na relação com o cliente, os colegas e o trabalho também ditará muito do seu sucesso. Nem todos são empreendedores ou artistas, mas a animação tem surgido em diversas plataformas, na Web, nos videojogos, nos motion graphics, o que também quer dizer que o campo de intervenção é dinâmico e com horizontes cada vez mais alargados. Suzanne Buchan, editora da Animation Journal é peremptória em afirmar que actualmente, a animação existe em formatos híbridos, em múltiplos suportes de comunicação, que podem e devem fomentar a criatividade e o empreendedorismo. Assim, a aposta na cultura e nas áreas criativas não deve ser desvalorizada; pelo contrário, deve ser um forte investimento.

Vasco, mascote do Oceanário

6 – Como é que vês a Animação em Portugal, é uma área com potencial de crescimento, em que áreas devemos apostar? E temos massa crítica para o fazer, ou vamos continuar a olhar para a área como uma actividade secundária?
:: Infelizmente não vejo a animação em Portugal de uma forma muito entusiasmada. Durante muitos anos viveu de curtas-metragens com apoios estatais do ICA e poucos recursos financeiros, distribuídos sempre pelas mesmas produtoras e autores. O circuito dos festivais era o único recurso de divulgação e fazer séries de animação não trazia retorno financeiro nenhum. Em suma, julgo que o futuro da animação passa por apostas em alternativas de financiamento, co-produções nacionais e internacionais, e por tirar proveito das novas tecnologias. O potencial da animação digital é enorme, não deve ser menosprezado, e temos que olhar para ela como uma ferramenta de trabalho com enormes vantagens.


7 - Referes que o vídeo Sexta-feira para o Boss AC, que já vai com mais de 2 milhões de visualizações no YouTube, como um trabalho autoral porquê? Ainda é possível criar trabalho autoral em 3d em Portugal? Quais são os maiores entraves?
:: Agora já vai em quase 4 milhões! O fenómeno das redes sociais é incrível, há meia dúzia de anos atrás isto nunca aconteceria! O termo “trabalho de autor” não me faz confusão nenhuma, basta olhar para trabalhos de Andrew Hickinbottom, Rebeca Puebla, Michael Kutsche, William Joyce, etc. para perceber que existe uma linguagem estética, única e expressiva, independentemente do alto domínio da técnica computacional. O entrave continua a ser a desconfiança com que alguns ainda olham para a ferramenta do computador, mas também a dificuldade em se poder criar “livremente” em projectos comerciais. Com o vídeo do BossAC foi muito fácil, foi-me dada total liberdade criativa.



8 - Ainda sobre este vídeo, como é que deste a volta aos direitos de autor da Lego?
:: Alterando as dimensões do lego. Na realidade é parecido com um lego, mas não tem exactamente as mesmas dimensões, e os encaixes também são diferentes. Por outro lado, por ser um trabalho de autor, não comercial.


9 - O trabalho que fizeste para o Café Central, é bastante diferente do que tens feito, em termos de controlo total da animação final. Em que medida é que isso choca com a tua noção de autoria e como é que minoraste essa questão?
:: Numa altura que o país atravessa um tempo delicado, este era o momento de dar voz a um Silva ou um Águas, no fundo, ao português anónimo. Todos os dias ouvimos injustiças, o caso da escola da Fontinha, dos cortes nos subsídios, nas pensões, etc. Por isso, o desenho das personagens exigia também uma linha mais agressiva, rude, um tom mais polémico que, partindo do humor, pudesse abordar temas sérios. Para tal era necessário que a animação pudesse ser gerada em tempo real de modo a acompanhar a actualidade das notícias. Em prol da importância da mensagem e devido a algumas limitações do software que gera toda a animação das personagens, procurou-se que a interpretação da personagem fosse credível o suficiente para que a mensagem passasse e suplantasse alguma rigidez da animação. Julgo que foi dado um passo importante no que toca a uma animação socialmente “interventiva” e “participativa”, mas também em termos tecnológicos, porque a animação interactiva é um campo com imenso potencial, que poucos conhecem. Diga-se que o desafio foi alargado ao MIA (Mestrado em Ilustração e Animação) do IPCA, que respondeu muito positivamente através da participação de alguns alunos.


10 - Qual o melhor trabalho que fizeste até hoje e porquê? E qual o trabalho que te deu mais prazer, e porquê?
:: Não sei se foi o melhor trabalho, mas tenho um especial carinho pela “História de um Caramelo” porque, em primeiro lugar, identifica uma época importante da minha vida, depois, porque é representativo no meio por ter sido o primeiro filme em tecnologia 3D apoiado pelo ICA, depois ainda, porque envolveu um trabalho de equipa com pessoas que valorizo, e, finalmente, porque foi um daqueles projectos em que a vontade de fazer conseguiu ultrapassar todas as dificuldades. E já agora, quando surgem elogios de animadores e realizadores internacionais, é sempre muito gratificante.

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