outubro 31, 2013

Símbolos e ultra-interpretação no Cinema

Room 237 (2012) de Rodney Ascher é um documentário belíssimo, não pelo que aparentemente parece querer dizer, mas antes pelo que diz enquanto representação de um fenómeno humano. Ou seja, Room 237 apresenta-se como um documentário em que se discute e desmontam possíveis simbologias presentes no filme The Shining (1980) de Stanley Kubrick. Mas no fundo, o que podemos verdadeira ver neste documentário são relatos de uma das maiores obsessões humanas, a avidez por padrões, ou a aversão ao acaso. Ao longo de cem minutos somos presenteados com algumas das maiores ultra-interpretações jamais realizadas sobre um filme.


Em parte, este filme apresenta as razões pelas quais ao longo dos últimos 20 anos me fui afastando da análise semiótica do cinema (já para não falar da análise psicanalítica - Freud, Lacan, etc -) e passei a defender quase exclusivamente as análises cognitivistas. Porque o que se pretendia nessas abordagens de investigação estava totalmente concentrado sobre o artefacto apenas e as suas simbologias. Ainda admitindo que a semiótica é uma ciência, e nada tem que ver com a psicanálise e as ultra-interpretações, as suas abordagens aproximam-se perigosamente destas. Ou seja, não há lugar para a intenção do criador, nem há lugar para o receptor enquanto sujeito natural, apenas cultural. Não é aceitável que se conceba que uma obra existe sem um autor, sem uma vontade de comunicar.


Aliás nesse sentido, as primeiras grandes refutações ao que é dito em Room 237 podem ser encontradas no The Elstree Project da University of Hertfordshire com o apoio do The Kubrick Estate, da Warner Brothers e ainda do British Film Institute e da Academy of Motion Picture Arts and Sciences. Ao longo de três anos, foram entrevistados para memória futura, nove membros da equipa que trabalhou em The Shinning. Estas entrevistas podem ser todas vistas num documentário, Staircases to Nowhere: Making Stanley Kubrick's 'The Shining' (2013).

Staircases to Nowhere: Making Stanley Kubrick's 'The Shining' (2013)

Assim, confrontando Room 237 e Staircases to Nowhere, a primeira evidência que podemos constatar é a alucinação completa de quem se dedica a estas ultra-interpretações, que tem como único parente, as conhecidas teorias de conspiração política. Kubrick era obcecado, era perfeccionista, e talvez por isso mesmo tenha levado muitas pessoas a acreditar, que nada nos seus filmes pode ser fruto do acaso. Cada erro de continuidade encontrado é imediatamente identificado, não como erro mas como símbolo de uma qualquer obscura ideia de Kubrick. Algumas das mais discutidas questões têm que ver com o espaço interior do hotel, a forma como este não é realista. Ora ouvindo os seus criadores falar, percebe-se porquê, percebe-se que não estamos a falar de um hotel real, mas de um espaço reconstruído em estúdio. Além disso, dada a impossibilidade de reproduzir integralmente o hotel, as várias salas da simulação do hotel, iam servido diferentes simulações de salas em função das necessidades de gravação. Ora assim sendo, é natural que por mais perfeccionista que fossem, que muitos detalhes acabariam por escapar ao real espacial do hotel.

O mais evidente problema de tudo isto, é de certo modo explicado por muita da mais recente teoria da psicologia sobre a nossa obsessão com padrões e simbolismos, e acima de tudo incapacidade para aceitar o acaso da natureza, e das nossas vidas. Para quem estiver interessado em aprofundar isto, aconselho vivamente a leitura de Thinking, Fast and Slow (2011) de Daniel Kahneman, na minha análise podem encontrar outras referências sobre este mesmo assunto.


Uma das teorias que não quero deixar de rebater, e não é a loucura de The Shining ser um filme sobre o holocausto, mas antes a ideia de que The Shining seria o filme-confissão de Stantely Kubrick do seu envolvimento na criação da encenação da aterragem na lua em 1969 da missão Apollo 11. É verdade que Kubrick depois depois de fazer 2001, poderia ter sido o génio a contratar para o fazer. Mas também é verdade que as condições para o fazer não se coadunam em nada com aquilo que foi possível ser visto pelas pessoas na televisão em todo o planeta. E isso já foi extensamente explicado por S.G. Collins no seu pequeno documento, Moon Hoax Not (2012).

Moon Hoax Not (2012) de S.G. Collins 

Para terminar, Room 237 é um projecto que serviu para dar voz a alguns dos mais obsessivos descobridores de teorias da conspiração na internet. Mas serviu para bem mais do que isso, para nos questionarmos sempre que entramos numa espiral de ultra-interpretação, não apenas cinematográfica mas em tudo o resto, que nos rodeia na vida. Além disso, serviu para nos abrir o apetite para voltar a ver The Shining!

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