abril 30, 2014

"The Self Illusion: How the Social Brain Creates Identity"

Bruce Hood, professor de psicologia da Universidade de Bristol, traz-nos uma discussão profundamente filosófica, e tão antiga como a nossa consciência, na qual se discute “o que somos, de que é feito “aquilo” a que chamamos EU?”. Hood trabalha essa discussão a partir das mais recentes descobertas da neurociência e psicologia. Apesar da abordagem ser feita pelo lado interno do ser humano, das pesquisas sobre o funcionamento do cérebro, “The Self Illusion: How the Social Brain Creates Identity” (2012) acaba por apresentar a sua proposta fundamentada no reconhecimento da relevância do social, como indica o próprio sub-título.

The Self Illusion: How the Social Brain Creates Identity” (2012)

Sobre o livro em si, dizer que pode ser muito interessante para quem não acompanha a área dos estudos da psicologia, psicologia social ou neuropsicologia, mas para quem segue o assunto, o livro pode tornar-se algo aborrecido, já que grande parte dos exemplos e estudos apresentados foram já amplamente debatidos por muitos outros autores. Hood faz uma resenha ao longo de todo o livro dos estudos mais importantes na área para suportar a ideia central e conclusiva do seu livro. Nesse sentido, o melhor do livro acaba sendo o início do capítulo “Why Our Choices Are Not Our Own e todo o último capítulo, “Why You Can’t See Your Self in Reflection” de síntese das ideias e conclusões. Desta forma, podemos dizer que temos material para um paper longo, digamos de 20 a 30 páginas, mas não temos propriamente material para um livro, a não ser que queiramos encarar o mesmo como uma introdução à área.

Na verdade as conclusões de Hood não são novas, muito do que é aqui dito pode ser encontrado anteriormente em Platão (Filósofo), Espinoza (Filósofo), William James (Psicólogo), Erwin Goffman (Sociólogo), Douglas Hofstadter (Físico) ou mesmo Philip K. Dick (autor de ficção científica). A diferença é que Hood apresenta fundamento científico para suportar as suas afirmações. Anteriormente tínhamos especulação filosófica sobre o modo como funcionamos, hoje podemos ter um pouco mais de certezas sobre os processos, porque temos mais evidência empírica. Por outro lado Hood não se fica pelas evidências, e avança por questões profundamente filosóficas adentro, trazendo para o centro da mesa a problemática do determinismo, discutindo-o nos fundamentos que suportam o EU, incorrendo nos mesmos problemas dos autores anteriores, a ausência de evidência. Aliás, por isso se diferencia totalmente do trabalho de Damásio no campo da consciência, já que este limita o seu discurso ao que é demonstrável. Damásio apresenta as suas dúvidas, e deixa as questões para quem quiser continuar a investigar, enquanto Hood se deixa levar pela ânsia de dar respostas.

Indo directo a esta diferença com Damásio, Hood não se limita a declarar que o nosso EU é uma ilusão porque construída na base das experiências sociais vividas. A partir desta constatação Hood afirma que na verdade não existimos enquanto EU, porque somos e fazemos apenas aquilo que o sistema em que estamos inseridos nos permite. Ou seja, Hood assume uma perspectiva do mundo determinista, e esquece por completo o que dá origem ao processo de consciência. Mas na verdade, como Damásio afirma no seu último livro, continuamos a não saber o que produz o processo de consciência em nós. A única coisa que sabemos é que “somos feitos” de frágeis memórias, vividas, sentidas e experienciadas, nada somos sem elas. Por isso nos choca tanto doenças como o Alzheimer, quando estas atacam, o nosso corpo continua vivo, mas o nosso EU desaparece. Ou seja, sabendo que não existe nenhum fantasma, alma ou homunculus dentro de cada um de nós, falta-nos perceber como damos sentido a um amontoado de memórias, representações mentais feitas de imagem, som, cheiro e textura. Damásio diz-nos que somos feitos de um fluxo autobiográfico, mas falta perceber como se forma este fluxo, no fundo como emerge a consciência.

Dizer que somos aquilo que o universo nos permite, que fazemos apenas aquilo que as nossas experiências nos permitem, é dar um salto nas etapas de análise do problema. Porque se não sei como emerge a consciência, torna-se muito complicado afirmar que esta simplesmente faz o que lhe é permitido. É verdade que de um ponto de vista determinista, tudo aquilo que fazemos é fruto de condições anteriores, a grande questão que se coloca, é quem para além de nós pode conhecer certas condições anteriores, se não apenas a nossa consciência. Por isso é que só ela pode tomar certas decisões, ainda que saibamos que estas dependem de um conjunto de pressupostos que a condicionam.

Seguindo ainda nesta discussão entre Damásio e Hood discordo completamente das assunções que Hood retira do “experimento do botão” e da sua relação com o livre-arbítrio. Deixo um resumo do experimento, retirado do livro,
“Imagine that I ask you to push a button whenever you feel like it. Just wait until you feel good and ready. In other words, the choice of when you want to do it is entirely up to you. After some time, you make the decision that you are going to push the button, and low and behold you do so. What could be more obvious as an example of free will?…

Of course, in making a decision, we also experience a conscious intention or free will to initiate the act of pushing the button about a fifth of a second before we actually begin to press the button. But here’s the spooky thing. Libet demonstrated that there was a mismatch between when the readiness potential began and the point when the individual experienced the conscious intention to push the button…

Libet established that adults felt the urge to push the button a full half second after the readiness potential had already been triggered. In other words, the brain activity was already preparing to the press the button before the subject was aware of his own conscious decision…

One might argue that half a second is hardly a long time but, more recently, researchers using brain imaging have been able to push this boundary back to 7 seconds. They can predict on the basis of brain activity which of two buttons a subject will eventually press. This is shocking.”
Isto na verdade não apresenta nada de chocante, pelo menos em 2010, depois de tudo o que já descobrimos sobre a ausência de qualquer dualidade mente/corpo. Damásio foi o primeiro a colocar o dedo na ferida, mas depois dele muitos outros o corroboraram. Não existe EU etéreo, o EU é feito de memórias vividas, mas essas estão registadas no nosso corpo. Para além da questão corpo/mente, temos ainda a questão do consciente e não consciente. Sabemos que o nosso córtex pré-frontal mantém acessível à consciência apenas excertos de tudo aquilo que está espalhado pelo nosso cérebro e corpo, e ainda bem, não conseguiríamos lidar com tanta informação simultaneamente. Deste modo é natural que o processo de tomada de decisão de apertar o botão ocorra bastante antes de eu ter a consciência clara de que o desejo fazer, porque antes disso, ocorre todo um processo interno de acesso a memórias espalhadas pelo cérebro, e emoções espalhadas pelas nossas vísceras. A decisão forma-se no corpo, o não consciente ganha ideia de que o deve fazer, e só depois o consciente recebe a informação para avançar, já depois dos músculos do dedo a terem recebido.

Dizer que isto configura ausência de livre-arbítrio é no mínimo estranho. Segundo Hood isto incomoda-nos porque “We want to believe that we are more than fleshy computing devices that have evolved to replicate. We are not simply meat machines.”. Pois é verdade que as pessoas desejam isso, a religião é a maior prova desse desejo, mas a ciência tem feito o seu caminho e demonstrado que é apenas isso que somos, máquinas biológicas. Máquinas que operam condicionadas pela sua própria forma, assim como pela forma do sistema em que estão inseridas. O livre-arbítrio é reduzido, e no fundo podemos apenas dizer que ele se limita ao nosso pensamento, mas existe, ele representa aquilo que chamamos de consciência, o problema é que não percebemos ainda o que é no fundo a consciência.


Links de interesse
A consciência de Damásio, o Eu ou a Alma, in Virtual Illusion

abril 28, 2014

Matemática e animação 3d

Com o advento da informática a matemática tornou-se o centro de praticamente tudo aquilo que fazemos, já que pouco fazemos hoje que não requeira o processamento de um computador. Como os computadores não percebem outra linguagem além da matemática, necessitamos cada vez mais de saber dialogar neste registo. Para demonstrar isto mesmo trago dois pequenos filmes, um sobre a modelação 3d, e outro sobre a animação 3d.




O primeiro filme é produzido pela TEDed e chama-se "Pixar: A Matemática por detrás dos Filmes". Neste podemos ver Tony DeRose, director de investigação da Pixar, explicar como é usada a matemática básica da escola, no dia-a-dia da criação de filmes de animação 3d na Pixar. Ou seja, como é graças a ela que podemos ver os personagens mover-se, e como é também graças a ela que temos conseguido criar personagens cada vez mais "fofos" (com formas curvas).

PIXAR: The Math behind the Movies (2014)

No segundo filme, Morr Meroz, da Bloop Animation, explica a diferença entre o processo de animação 2d e 3d. O interessante neste contexto é percebermos como a transição da animação 2d para a animação 3d operou transformações profundas no processo de criação, que inevitavelmente obrigou a uma maneira de estar diferente no mundo da animação. [Atualização: o filme de Meroz deve ser visto com algumas cautelas, já que contém algumas incorreções, tais como afirmar que a interpolação matemática surge apenas com o 3d. Nesse sentido teria sido mais sensato intitular o filme como As Diferenças entre a animação Analógica e Digital. Por outro lado no que toca ao trabalho de animação 3d, existem outras valências além, da composição a partir de funções matemática, que um animador precisa de conhecer.]

The Difference Between 2D and 3D animation (2013)

A matemática foi sempre vista como o lado oposto das artes, dos processos criativos, mas o que podemos ver nestes dois pequenos filmes, é que nos dias que correm, andam ambas de mãos dadas. Daí que assim como a engenharia tem assumido que precisa das artes para abrir novos mundos conceptuais, as artes precisem de assumir que precisam das tecnologias e matemática para aceder a novos modos de se expressar.

abril 26, 2014

a interacção é a mensagem

A empresa Guy Cotten, especializada em roupas para trabalho no mar, produziu um anúncio de serviço público (PSA) a propósito da necessidade do uso de coletes em alto mar, simplesmente brilhante. O anúncio só pode ser acedido online, uma vez que o centro da sua mensagem só é compreensível através da interactividade. O conceito foi desenvolvido pela agência CLM BBDO, sendo a produção feita pela Wanda Productions e dirigido por Ben Strebel. Se ainda não experimentaram o mesmo, façam-no agora, antes de continuar a ler, em Sortie en Mer (em ecrã pleno e som alto).



O brilho deste trabalho advém do modo como se trabalhou a linguagem de interactividade para expressar o sentir da mensagem. Ou seja, temos um filme com um excelente cenário que nos transporta para uma atmosfera calma, preparando-nos para um choque, mas quando esse choque chega, deixamos de ser meras testemunhas do mesmo, passamos a agir, a participar, e com isso a sentir o choque de forma muito mais memorável. 

Mas não se fica por aqui, tudo isto poderia ter sido desenhado apenas para nos colocar no lugar, mas a forma como a interacção foi concebida, não nos coloca apenas no lugar, vai muito mais longe do que isso, porque nos faz sentir a principal sensação que sente o protagonista, o cansaço. Não conseguindo transmitir a sensação de frio do mar, o facto de termos de desesperadamente continuar a fazer scroll para nos mantermos à tona, exerce sobre nós uma pressão que aos poucos nos vai aproximando mais e mais da realidade do evento. Se juntarmos a isto o facto da experiência ser bastante aberta, ou seja a morte não chega para todos, nem de todas as vezes, ao mesmo tempo, e o tempo que investimos a resistir ser recompensado em progressão narrativa, torna este trabalho num dos melhores anúncios interactivos que alguma vez experienciei.


Em termos gerais, o anúncio situa-se no âmbito dos comuns PSA que usam o choque como prevenção. Temos visto trabalhos só em video, sem interactividade, que são capazes de ser mais aterradores que este. Mas é aí que julgo que estará a diferença deste anúncio, que não se preocupa com o mero choque ou terror, mas antes com o fazer passar pela sensação real, ainda que simulada. Apesar de curta, fico com a ideia de que quem passar por esta experiência dificilmente se esquecerá dela, nomeadamente quando da próxima vez estiver para entrar num catamarã para rumar ao alto mar. A simulação, a participação interactiva desenhada para atingir as nossas emoções, dificilmente descolará das nossas impressões somáticas nos próximos tempos.

Se ainda aqui estão, e ainda não experienciaram, sigam para Sortie en Mer

abril 21, 2014

Inovando o storytelling nos media interactivos

“CIA: Operation Ajax” é uma obra de leitura digital interactiva com uma forte base de banda desenhada (BD). Lançada em onze capítulos entre 2010 e 2012, não é propriamente uma novidade, mas posso dizer que é a melhor experiência que tive até hoje de BD digital. Através de uma lógica que vai para além do “motion comic” e do multimédia documental, faz um aproveitamento soberbo da plataforma tablet.



Ao contrário dos cd-roms dos anos 1990 “CIA: Operation Ajax” não se perde com deslumbramentos tecnológicos e multimédia, somos transportados para o reino da história que nos é contada, e tudo funciona em seu redor. Uma história centrada num evento político do século XX, o golpe de estado no Irão operado pela CIA em 1953. A obra é uma adaptação do livro “All the Shah's Men: An American Coup and the Roots of Middle East Terror” (2003) de Stephen Kinzer, acabando assim por trabalhar a realidade geopolítca atual que vivemos, em profundidade.

Nesta obra a narrativa é o cerne. Para isso contribui imenso a ideia de focalizar a estrutura narrativa na BD, servindo esta muito bem a progressão. Ou seja, a cada toque nosso sentimos o avanço no interior da estrutura de uma prancha, na verdade o conceito de prancha desaparece, o que temos é um “atravessar” das vinhetas, uma espécie de filme entrecortado, quadro a quadro, com animação e som, e a possibilidade de navegar para trás e para a frente. O conjunto cria uma sensação de leitura fluída, com o tempo controlado pelo leitor, mas com uma direcção narrativa capaz de imprimir ritmos e suspense. A isto adiciona-se ainda uma camada adicional de documentos fotográficos e vídeos de época que podem ser acedidos opcionalmente. Segundo Burwen o objectivo desta camada documental não era o mero aproveitamente técnico, mas tinha como objectivo aumentar o realismo narrativo,
"The features we provide will include anything we can find to augment the story we are telling, and to remind people that this stuff really did happen. That real people with personalities and families were making decisions that made a major impact on the way that we think and live today. To be able to be immersed in a narrative, and to have that narrative infused with evidence like photos or newspaper articles from the period in which the story took place, it adds an element of humanity to the drama and intrigue. I can’t go too far in revealing what we have planned, but I can say that I think it’s very exciting." [Link]
Componente documental multimédia

"Ajax" foi criado pela Cognito Comics, com a plataforma The Active Reader da Tall Chair, que funciona sobre Unity, e esteve 4 anos em produção. Parece exagero mas não é, se pensarmos que como livro de BD é desde logo enorme, com 212 páginas, a partir das quais foram produzidas 6 a 7 mil vinhetas animadas!

O que faz a diferença não é a plataforma, mas o facto da animação/interacção, de grande qualidade, ter sido desenhada quadro a quadro. Aquilo que a Marvel e outros têm tentado fazer, é criar um editor que permita rapidamente transformar pranchas em objectos navegáveis. O que temos aqui é um livro de 212 páginas, totalmente reconceptualizado, ou conceptualizado desde o início, para uma lógica de acesso interactivo, com movimento e som. A cada toque no ecrã avançamos um quadro, por vezes 2 ou 3, ou melhor avança-se uma cena. A progressão não está presa a quadros fechados, mas a ambientes que podem ocupar todo o ecrã (a antiga página) que podem desenvolver-se em vários quadros, ou um mesmo quadro no qual vão surgindo novos elementos, novos balões, etc. Não existem vozes, apenas sonoridade ambiente e música, a história continua a ser acedida através dos balões, base da linguagem BD. Ou seja, "Ajax" é todo um novo modo de contar histórias, porque não é livro nem BD, não é animação nem filme, não é site nem jogo, é um novo modo de contar histórias, é um modo integrado e interactivo, e por isso complicado de descrever sem se experienciar.

Três ecrãs que concorrem para criar uma cena, que é uma página completa.

Visão completa de uma cena que comporta vários quadros sobre um quadro geral.

Como é que surge um objecto destes? O seu principal mentor veio da indústria dos videojogos, Daniel Burwen, que trabalhou na EA e Activision, na área da ilustração. Depois de ter estalado a guerra no Iraque, em 2002, e depois de ler o livro de Stephen Kinzer, Burwen encarou o projecto BD como uma forma de dar voz ao que sentia sobre o assunto. Nesse sentido convenceu Kinzer a avançar com a adaptação do seu livro para BD. Mas em 2010, com o anúncio do iPad, resolveu mudar para o formato digital. O guião ficou a cargo de Mike de Seve que depois foi adaptado para BD por Jason McNamara (The Martian Confederacy, Full Moon). Na ilustração as capas foram feitas por Steve Scott (conhecido por Batman Confidential, X-Men Forever), o design dos personagens foi criado por Jim Muniz (X-Men, Hulk), e Steve Ellis (Iron Man, Box 13, High Moon) desenvolveu um capítulo completo. Burwen refere a propósito da complexidade da integração,
“I think the hardest part was learning how to make comics. Ajax is entirely built off traditional comics, and it’s because the traditional compositions work in print that the animation and interactivity works in the iPad version. Figuring out how to create a compelling animation style that honored the print page legacy was key. It was very easy to over-animate the content, and I discovered it’s a fine line between creating a poor film experience versus a rich reading experience.” [link]
Fluxogramas do design de interacção (a qualidade não é a melhor)

Temos aqui um trabalho movido por uma forte vontade de fazer, de comunicar e expressar, e isso faz mover montanhas. Além disso tenho poucas dúvidas em afirmar que Burwen apresenta nesta obra um talento muito especial no que toca à direcção e design de narrativa e interacção. O trabalho contém uma miríade de componentes de grande qualidade, mas a singularidade da obra emerge da direcção, da forma como foi imprimido sentido narrativo e acesso interactivo ao todo.

O maior problema deste formato de contar histórias é que uma produção com este nível de detalhe e qualidade fica muito cara. Se a produção de BD já é hoje considerada cara e de difícil rentabilização, muito por conta do online (pirataria), quando entramos neste detalhe multimédia os preços disparam, tal como diz Don Norman, “What is the future of the book? Very expensive.” Inicialmente cada capítulo era vendido por $7,99 mas recentemente o projecto foi colocado na íntegra grátis na AppStore. Este projecto acaba demonstrando várias coisas, essencialmente que a criatividade e imaginação conseguem ir muito além daquilo que por vezes temos acesso no mercado, mas que a inovação por si só não chega, é preciso que o mercado esteja pronto para a receber.

Trailer

Podem descarregar a obra, para iPad e iPhone, completamente gratuita, na App Store (484 mb).


Links de Interesse
Do comic para a animação interactiva, in Virtual Illusion
Comunicação visual digital, in Virtual Illusion
Brandon Generator, animação interactiva online, in Virtual Illusion
Reinventing the Graphic Novel for the iPadpalestra de Daniel Burwen no SXSW 2012
Narrative Mechanics - The Elements and Spaces of Interactive Storytelling, [Slides] Palestra de Daniel Burwen na React 2013

abril 18, 2014

Videojogos no "Sociedade Civil"

Ontem passei pelo Sociedade Civil para participar numa mesa de discussão sobre o "vício" em videojogos, com Jorge Loureiro, editor da Eurogamer.pt, Rogério Ribeiro, fundador do Game Studio 78 e produtor de Hush, Maria Carmo Carvalho, professora da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Porto, moderada pela Eduarda Maio. O debate foi interessante e produtivo, apesar do potencial de polémica que o assunto encerra. Julgo que de uma forma geral se conseguiu passar informação no sentido da desmistificação do assunto.

Sociedade Civil: Nelson Zagalo, Rogério Ribeiro, Eduarda Maio, Maria Carvalho e Jorge Loureiro [17.4.2014]

Em síntese, procurei passar a ideia de que o "vício" em videojogos, apesar de real, não é diferente do "vício" em séries de televisão, ou em telenovelas. Existem no entanto algumas diferenças no acesso a este tipo de artefactos que contribuem para que a sociedade sinta que os jogos podem ser mais viciantes, nomeadamente o facto das pessoas não controlarem o tempo que podem estar a ver uma série ou telenovela. Quando acaba um episódio que está a passar na televisão, são obrigadas a desligar. Por outro lado quem já viu séries em caixas de DVD sabe bem o quanto custa parar de ver uns episódios atrás dos outros, muitas vezes pela noite dentro.

Este tipo de vício pode ser desenvolvido também com livros, e em menor grau com o cinema (o cinema tem uma menor capacidade para exercer este vício porque não se estende no tempo). Existem vários casos de miúdos que passam dias inteiros mergulhados em livros, mas aí as pessoas não recriminam, porque a atividade de leitura é vista pela sociedade como uma atividade nobre. E esse é o outro problema dos videojogos,  é que são ainda considerados um media menor. Duas questões concorrem para esta visão, a associação com a brincadeira de crianças, algo que os pais querem afastar dos filhos à medida que crescem, e por outro lado os jogos de casino ou de azar, vistos como um lado negro do ser humano.

Ora os videojogos, apesar de serem relevantes para as crianças, não são um meio usado apenas por crianças. Tal como a banda desenhada, são meios que servem a comunicação humana, e a comunicação pode ser dirigida a qualquer faixa etária. No caso dos jogos, o seu público majoritário está neste momento situado na faixa dos 30 anos. Relativamente aos casinos, não existe qualquer relação, já que os videojogos se situam no terreno do chamado “círculo mágico”, ou seja aquilo que acontece ali não pode ter efeitos na realidade, como acontece num casino em que se pode perder ou ganhar dinheiro real.

No fundo, os videojogos devem ser vistos, como são vistas as séries de televisão, os filmes no cinema ou os livros da literatura. Se me preocupo com aquilo que os meus filhos veem na televisão, também tenho de me preocupar com aquilo que jogam. Se não quero que o meu filho passe o dia em caso fechado a ver filmes, também não devo querer que passe o dia jogar. Todos estes media/artes servem os seres humanos de forma fundamental, informando-os e agilizando-os socialmente, são importantes para a regulação da vida em sociedade, mas todos eles precisam de ser consumidos com moderação, e de forma suficientemente diversificada. Um livro não dá o mesmo que um jogo, nem um jogo dá o mesmo que um filme. Mas na vida, a maior parte daquilo que precisamos e aprendemos, é com os outros seres humanos, por isso os media devem ser usados com moderação, é preciso dar tempo aos que nos rodeiam, eles precisam de nós, mas nós também precisamos deles para crescermos.

O programa pode ser visto na íntegra no RTP Play.

"Monument Valley", estéticas do impossível

Uma obra-prima de design, tanto no design de jogo como no design gráfico. Monument Valley está carregado de influências, não num sentido intertextual, mas antes como raízes conceptuais criativas, que vão de M.C. Escher a Fez (2012), passando por Echochrome (2008) e Wonderputt (2011).



É evidente que não existiria Monument Valley sem MC Escher, um artista gráfico que tem servido de inspiração a muitos de nós pela força do seu trabalho. Escher demonstrou por via do grafismo como a realidade que vemos e que tanto sentido faz, é por vezes verdadeira ilusão. As suas dimensões impossíveis continuam a exercer forte encantamento sobre nós, pela forma como misturam o real e o virtual, criando uma espécie de caminhos para o possível.

Relativity (1953) M.C. Escher

Monument Valley serve-se dessa força encantatória do impossível para criar o seu mundo de jogo e para nos seduzir. Mas se fosse apenas por Escher, seria apenas mais um jogo como Echochrome (2008), entre múltiplos outros pequenos jogos que já tentaram explorar esta ideia. Muitos têm tentado explorar as lógicas visuais de Escher, porque quando olhamos para as suas obras sente-se uma tremenda vontade de lhes dar vida, de as colocar em movimento, de passear dentro delas. Mas a verdade é que muitos dos trabalhos que se têm socorrido deste universo visual ficam-se pela sombra de Escher, não conseguindo ir além daquilo que já temos nas telas.

Echochrome (2008) Sony Japan

Por isso quando tomei conhecimento de Monument Valley fiquei logo algo receoso de ser apenas mais uma mera tentativa de gamificar os mundos de Escher. Mas quando começamos a jogar percebemos que é claramente mais do que isso, uma das primeiras evidências surge com o design gráfico e a atmosfera, que seguem o minimalismo do trabalho de Escher, na evolução visual das suas obras pela cor, movimento e som. Cada um dos níveis possui uma atmosfera bem delineada, e acima de tudo muito coerente em si e no conjunto dos 10 níveis. Todos os elementos — cor, movimento e traço — trabalham para solidificar o universo de jogo, transformando-o num espaço imensamente atrativo e envolvente.

Mas se Monument Valley fosse apenas um conjunto coerente de universos audiovisuais envolventes, seria apenas uma interessante animação. O design de jogo é ele próprio brilhante, no sentido em que serve o universo impregnando-o de interesse, motivando-nos assim a perscrustar cada detalhe de cada ecrã, muito na linha de Wonderputt (no meu Top 10 2011). Porque o design não se limita à resolução dos espaços impossíveis, ele é servido por um conjunto de personagens muito relevantes, que conferem uma camada adicional de valor e envolvência ao espaço, gerando narrativa e jogabilidade, tal como temos em Fez (no meu Top 10 2012).

Wonderputt (2011) de Reece Millidge

Fez (2012) de Phil Fish

De forma geral, podemos dizer que o design é progressivo e bastante balanceado. A cada novo nível, novos elementos são trazidos para o espaço de jogo, e apesar de sentirmos que o jogo espera mais de nós, cognitivamente na sua resolução, nunca nos sentimos presos num espaço por tempo demasiado. Ou seja, a dificuldade foi algo muito bem balanceado, demonstrando que os autores estavam mais interessados em criar um universo interativo que fosse gerador de emoções estéticas do que de resolução de problemas. Aliás a demonstrar esta vontade de criar uma experiência estética, e não uma fórmula de puzzles, é o facto de o jogo conter apenas dez níveis, preocupados em desenhar uma experiência única — com um princípio, meio e fim — longe do mero sucedâneo de níveis sem fim.


Links de Interesse
Página do jogo
Jogo na App Store

abril 16, 2014

"Fallout 3"

Fallout 3 (2008) terminado. Quando saiu joguei apenas até sair do Vault 101, voltei depois a investir mais algum tempo até encontrar a vila Megaton, nada mais do que isso. Achava a interface do jogo demasiado complexa, e o modo de combate rígido e muito errático. Agora resolvi pegar-lhe de novo e dedicar-me a tentar terminar a main quest, tendo-o feito com um total de 16 horas, o que é perfeitamente normal, mas dá conta do facto de ter evitado completamente as side-quests.



Porque demorei tantos anos a chegar ao final? A razão principal tem que ver com a confusão entre géneros de jogo. Fallout 3 apresenta-se inicialmente como um normal jogo de acção 3d em primeira-pessoa, com possibilidade de jogar em terceira, e isso faz com que o jogador procure usar lógicas cognitivas de resolução de jogos desse género. O grande problema é que Fallout é muito mais RPG do que jogo de Acção.

Começando pelo elemento essencial à progressão no jogo, o modo de combate, este está desenhado para nos obrigar a jogar segundo uma lógica RPG. Ou seja, quando tentamos progredir no jogo apenas combatendo em tempo real, o normal em jogos de acção, simplesmente não conseguimos, não acertamos, morremos facilmente, e daí que muitos, como eu, tenham desistido pouco depois de sair do Vault, já que é quando as necessidades de combate a sério começam a ser necessárias. Assim Fallout só se torna verdadeiramente jogável se optarmos por combater através do chamado V.A.T.S. (Vault-Tec Assisted Targeting System), o sistema turn-based de Fallout 3. Através destes sistema somos obrigados a realizar os combates de modo estratégico, e não simplesmente em modo shooting. Ainda assim e por estar muito bem desenhada a progressão de jogo, inicialmente o V.A.T.S. vai parecer complicado, mas quanto mais o utilizamos mais gostamos dele, até que se torna a nossa segunda natureza dentro do jogo.

V.A.T.S. (Vault-Tec Assisted Targeting System)

Ainda dentro da ideia RPG, se o V.A.T.S. é vital nas lutas, o Pip-Boy 3000, que é uma espécie de PDA, é o cerne de toda a jogabilidade. Se o V.A.T.S. se torna na segunda natureza dentro do jogo, é porque o PIP-Boy 3000 é a primeira camada dessa natureza. Sim, porque a camada de acção directa em tempo real sem HUD surge apenas como terceira camada do jogo. Para alguns pode ser motivo de afastamento, mas é a natureza do jogo. Fallout nasceu como RPG, a sua terceira encarnação deu um passo grande no sentido dos jogos de acção e aventura 3d, mas as suas raízes não foram apagadas, o seu fundamento de jogabilidade continua a ser RPG, sendo a acção em tempo real mais dada à criação de atmosfera e progressão narrativa.

Depois de termos interiorizado esta ideia da jogabilidade RPG com narrativa de acção-aventura, o jogo ganha todo um novo encanto, porque abre um enorme leque de possibilidades, impossíveis de realizar em jogos exclusivamente RPG ou acção-aventura. O mundo gigantesco navegável de Fallout 3, filtrado por um sistema complexo de regras do design de jogo, permite desenvolver uma vastidão de possibilidades, que dão ao jogador a sensação de liberdade como nunca antes sentiu em qualquer outro jogo. Mesmo quando comparado com GTA, o facto da jogabilidade possuir um enorme conjunto de regras que alicerçam todas as nossas acções, e essas regras poderem ser agenciáveis pelo jogador, faz disparar o nível de interactividade, e logo de sensação de liberdade no jogo.

Em Fallout 3 as escolhas começam antes de nascermos, já que podemos escolher nascer como menino ou menina, daí em diante todas as escolhas que fizermos irão ditar o nosso modo de agir sobre o mundo. Sem ser um sistema binário de escolhas A ou B, vamos percebendo que o mundo se dá a nós consoante as várias opções que vamos fazendo, tanto na estratégia do desenho do personagem através dos sistemas Personalidade (S.P.E.C.I.A.L. - Strength, Perception, Endurance, Charisma, Intelligence, Agility, Luck) e Competências (Skills), como na forma como decidimos interagir com os outros personagens dentro do universo, como ainda nos modo como decidimos completar cada uma das atividades que encontramos pela frente. O nosso jogo define-se segundo as nossas acções, nós somos responsáveis pelo jogo que estamos a jogar, porque ele reflecte aquilo que escolhemos ser naquele universo.

Pip-Boy 3000, menu das competências (Skills)

Pip-Boy 3000 menu da personalidade (SP.E.C.I.A.L.)

Relativamente ao universo ficcional temos uma atmosfera fantástica, embora ao fim de algumas horas se comece a sentir o seu peso, por ausência de variabilidade, demasiado verde acastanhado, e também o facto do jogo ser de 2008 não lhe permite apresentar atributos visuais em termos de definição gráfica que compitam com trabalhos mais recentes. Ainda assim continua a produzir o seu encantamento, muito graças ao detalhe da estética centrada no universo visual americano dos anos 1950, assim como as vozes de grandes actores, como Liam Neeson, Malcolm McDowell ou Ron Perlman. A verdade é que depois de entrarmos dentro da lógica do jogo, dificilmente conseguimos esquecer o universo, que nos vai atormentando a mente várias vezes ao longo dos dias, quando não estamos a jogar.

Atmosfera de Fallout 3 renderizada em 2014 através de sistemas técnicos modificados. Mais imagens.

Quanto à história, é bastante interessante, não sendo nada de novo, pós-apocalipse com seres humanos que se mutaram por força da radioatividade gerada pelas explosões nucleares. A narrativa segue a lógica do duplo-enredo, em que por um lado procuramos o pai do nosso personagem e por outro tentamos salvar a humanidade através de um elemento base da vivência neste planeta.

Comparando com Metro: Last Light (2013), temos aqui um sistema de jogo bastante mais complexo, mais trabalhado e enraizado na narrativa, por outro lado Metro: Last Light é atmosfericamente mais denso e rico. Claro que Fallout 3 por ser aberto permite uma liberdade de exploração e criativa completamente impossíveis em Metro: Last Light. Ainda assim são dois belíssimos jogos para quem gostar de universos pós-apocalípticos.

abril 15, 2014

storytelling "noir"

"Francis" (2013) é uma curta de animação que podia ser de imagem real, capaz de criar toda uma atmosfera particularmente cativante e envolvente do tipo noir. Todos os elementos de animação, modelação, luz, música, voz off funcionam em total sintonia e ao serviço da narrativa, carregando o espectador ao colo, colocando-o bem no centro da acção, imerso, sem se conseguir mexer, à espera de saber o que irá acontecer.



A história surgiu de um concurso lançado por Ira Glass no programa de rádio ‘This American Life’. Uma das histórias vencedoras foi “Francis” escrita por Dave Eggars, que depois de lida no programa gerou tanto interesse que Eggars resolveu avançar para a transformar em filme com a ajuda de Richard Hickey. Na realidade, a história de Eggars está tão bem estruturada que quase só a sua dramatização audio seria suficiente para nos agarrar. Aliás "Francis" segue em toda a linha aquilo que Glass referiu numa entrevista a propósito dos aspectos criativos do storytelling.

"Francis" (2013) de Richard Hickey

abril 14, 2014

“The Drunkard's Walk”

Leonard Mlodinow, co-autor de Stephen Hawking nos livros “A Briefer History of Time” (2005) e “The Grande Design” (2010), e autor de vários outros livros de divulgação científica escreveu em 2008, “The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives”, um interessantíssimo livro sobre o acaso, e as teorias das probabilidades. Como físico que é, Mlodinow dedica-se a desmontar o universo que nos rodeia, ou melhor dizendo, a desmontar as ideias que criamos na nossa cabeça sobre esse universo. Desde os grandes produtores de Hollywood, aos grandes correctores de Bolsa e CEO de empresas cotadas, Mlodinow demonstra, de uma forma já algo familiar para quem segue os estudos da área de behavioral economics, como a grande maioria dos padrões que encontramos pela frente não passam de meros acasos, coincidências criadas a partir de um conjunto demasiadamente grande de variáveis impossíveis de controlar, menos ainda de prever.


O livro de Mlodinow é um contributo importante para a tomada de consciência do real. O “passeio do bêbado” dá conta do modo como deambulamos por entre um mundo constituído por um conjunto infinito de variáveis, sendo empurrados de um lado para o outro, por leituras, decisões, apostas e feedbacks que constituem o elemento base da existência, o acaso. O simples bater de asas de uma borboleta na China pode fazer cair uma ponte em Lisboa, esta constatação da Física dá bem conta do mundo físico e real em que estamos inseridos.

Para aprofundar tudo isto Mlodinow dedica uma boa parte do meio do livro à discussão das teorias das probabilidades, tornando o livro um bocado mais denso, e menos fluído. Ainda assim é uma componente relevante para quem quiser adensar o seu conhecimento sobre os modelos matemáticos de previsão de acções futuras. Além de nos ajudar a compreender a complexidade em que nos movemos, e que na maior parte do tempo nem sequer nos damos conta.

"And it might be shocking to realize that you are twice as likely to be killed in a car accident on your way to buying a lottery ticket than you are to win the lottery."

O pior é que se achamos que podemos prever o que vai acontecer a seguir, temos ainda mais certezas sobre o modo como as coisas se sucederam à posteriori. Mlodinow dá o exemplo dos eventos que antecederam o ataque a Pearl Harbor que dão uma indicação tão óbvia do que iria suceder, que não se entende como não foram identificados pelos generais. Mas o que Mlodinow nos diz, também é que nesta análise posterior, estamos apenas focados nos eventos alinhados em função do objetivo concreto em análise. Ou seja construímos um padrão que liga todos os eventos que justificam o objectivo, e descartamos todas as variáveis que não interessam. Quando vemos a arena limpa, parece-nos cristalino que só aquilo poderia suceder. O mesmo se poderia dizer do 11/9. Estes eventos não são gerados pelo acaso, foram pensados e planeados, mas até acontecerem, são completamente impossíveis de prever, porque  o cruzamento das diversas informações poderiam conduzir a múltiplas hipóteses, ou seja probabilidades.

Ou seja, constatamos que se chega a um ponto de impossibilidade de replicação de acções. Como diz Mlodinow, se fizermos um exame a uma disciplina hoje, e um novo exame amanhã à mesma disciplina, os resultados irão divergir. O número de variáveis que rodeiam essa acção é demasiado elevado, e incontrolável, apesar de nos parecer algo extremamente objectivo. E é por isso que precisamos de aprender a relativizar muitas das limitações artificiais que fomos criando na nossa civilização. As provas que fazemos na escola, ou para entrar na universidade, as entrevistas de emprego que fazemos, os trabalhos em que damos o nosso melhor, etc., etc.. Apesar de termos a ideia de estar no controlo de tudo isto, a nossa capacidade de atuar sobre a imensa variabilidade do universo é bastante reduzida. Isto não quer dizer que devemos deixar tudo à sorte, e esperar que nos caia de uma árvore no colo. Podemos contribuir para mudar as condições, exercendo esforço para ser mais competente, e procurando o melhor contexto para que as nossas competências sejam melhor aceites, mas não podemos controlar muito de tudo o resto, não podemos ser todos como Albert Einstein, Bill Gates, Marc Zuckerberg ou Steven Spielberg. Não é uma mera questão de genes, é muito mais do que isso, é um conjunto de variáveis de espaço e tempo que condicionam muito daquilo que somos e muito daquilo que podemos ser.

Aqui surgem ideias antigas, como o determinismo, que parte das premissas básicas da Física e Química, nomeadamente das leis de Newton e do princípio de Lavoisier, que nos conduzem para uma noção do funcionamento do universo no qual cada ação tem uma causa e uma consequência. Esta abordagem teórica do mundo diz-nos que podemos prever com exactidão o futuro a partir da análise do estado atual do universo. O problema surge quando se inicia o processo de análise desse estado atual, e nos damos conta que temos de ir além do bater de asas da borboleta. Chega-se a um número de variáveis a analisar tão imensamente grande que apenas para calcular o minuto futuro seguinte, precisaríamos de uma calculadora mais complexa que o próprio universo. Ou seja, apesar do determinismo, o cálculo do futuro é apenas executável pelo próprio sistema. O universo é a calculadora que pode calcular o que vai acontecer a seguir. Qualquer tentativa de encurtar este processo de cálculo, tende a divergir muito rapidamente. Por outro lado poderíamos até construir uma calculadora que fosse mais lenta que o próprio universo, e o resultado seria certamente igual, o problema é que deixaria de prever o futuro, para passar a identificar o passado.

Se tudo isto parece estranho ou exagerado, impossível ou ridículo, é porque simplesmente o nosso cérebro vê a realidade de forma diferente. Ou seja, o nosso cérebro não consegue processar o mundo à sua volta matematicamente, porque não consegue suportar a imensidade de informação que o rodeia. Por isso desenvolveu um conjunto de artimanhas, as histórias e narrativas, para poder condensar a informação em blocos mais pequenos de informação e assim conseguir atribuir-lhes significado. Para isso precisou de desenvolver estratégias de hierarquização, categorizarão, padronização, etc. da informação, tudo lógicas que funcionam muito bem no interior das nossas mentes, mas têm pouca ou nenhuma relação com a realidade. O cosmos em que estamos inseridos pode até ser fruto de tudo o que o antecede, mas dada a sua complexidade, não nos resta outra alternativa a aceitar o acaso, o resto é mera ilusão, interpretação fruto das nossas necessidades de imaginação e comunicação.


Nota: O livro está editado em Portugal com o título "O Passeio do Bêbado. Como o Acaso Rege as Nossas Vidas" pela Bizâncio.

abril 13, 2014

De "Apocalypse Now" para "Spec Ops: The Line"

Começando pelo óbvio, como foi possível um estúdio de videojogos encetar o esforço de criar um jogo AAA tão complexo moralmente? Para quem passa a vida a questionar a falta de discussão sobre a condição humana nos videojogos, tem em “Spec Ops: The Line” (2012) um belíssimo trabalho para explorar. Mais, por ser um videojogo tem uma obra que quer verdadeiramente colocar o receptor num lugar diferente do leitor ou espectador. A moralidade não é apenas discutida no jogo, e pelos personagens do jogo, é a nossa própria moralidade que o jogo questiona. Como um todo estamos perante uma obra notável em termos dramáticos.

Antes de dizer mais alguma coisa, tenho de deixar um alerta a quem sentir vontade de experimentar o jogo. Preparem-se para uma primeira parte algo banal, parecida com imensos outros shooters. Se não me tivessem indicado o jogo de forma tão veemente, dificilmente o teria levado até ao fim. Mesmo depois de já saber que o jogo tinha algo mais, numa primeira vez que o joguei, desisti no início do quinto nível. Mais tarde resolvi dar-lhe uma nova oportunidade, e a partir do sétimo capitulo começamos então a ver a verdadeira natureza do jogo emergir.

***
A partir daqui ler apenas se terminaram o jogo, falarei abertamente sobre os aspectos da história.
***

Existe uma razão autoral dada por Walter Williams para que o jogo funcione num registo shooter banal, mas acredito que funcione melhor com quem gosta mesmo de shooters, para mim que não sou grande amante do género, foi difícil de digerir. Sou tão fã como o próprio Williams, veja-se o que diz sobre o género,
“Well, yeah, everyone when you play a fucking shooter is crazy because nothing you do in a shooter is logical…

Oh, you want to play this kind of game for fun? Fuck you, I’ll show you what’s fun about this...

I want to make a AAA game that is as action-packed as a game like Bioshock Infinite or Spec Ops or Uncharted where you play someone who doesn’t kill people. Or doesn’t punch people until they just conveniently vanish. I want to play a pacifist in a world that is trying to kill me and I want to come up with new ways of dealing with conflict resolution. And I want to do it in a way that is as action-packed as a summer blockbuster. I think it is possible.”
Os momentos que começam a surgir a partir do meio do jogo, não ocupam todo o jogo, mas começam com questões muito directas, inicialmente simples mas moralmente duvidosas, e vão-se tornando cada vez mais duvidosas e complexas à medida que o jogo avança. O final do jogo é absolutamente poderoso, ainda que as possibilidades de resposta sejam múltiplas, se seguirmos o flow narrativo vamos perceber o que o jogo espera de nós, não deixando de nos surpreender pelo que fazemos, pelo que escolhemos fazer. Aliás como refere o autor, Walt Williams, "We wanted to kill Walker. That was something that we really, really wanted to do".

A premissa de “Spec Ops: The Line” (2012) é uma adaptação de "Apocalypse Now" (1979) de Coppola, um dos filmes mais relevantes sobre o Vietname, que por sua vez já era uma adaptação de “Hearts of Darkness” (1902) de Joseph Conrad, um dos livros mais relevantes da história da literatura britânica. Em Spec Ops temos um coronel como em Apocalypse Now, e o seu nome é agora Konrad, uma alusão directa ao autor do livro. Posto isto, se fosse bem adaptado, Spec Ops poderia facilmente tornar-se num trabalho memorável. E foi isso que aconteceu, apesar de nem toda a crítica ter entendido o jogo, o que é normal, já que a muita da crítica atual falta bagagem cultural para compreender objectos deste calibre moral. Por outro lado alguma da crítica mais educada elevou a análise a níveis raramente vistos no meio, Brendan Keogh escreveu um livro inteiro dedicado à análise do jogo, “Killing Is Harmless: A Critical Reading of Spec Ops: The Line”. Sobram poucas dúvidas de que tal como aconteceu com os outros dois trabalhos nos seus meios, Spec Opcs será recordado e discutido por muitos anos ainda. Deste modo quero concentrar esta análise sobre três elementos do jogo: a História, o Storytelling Interactivo e a Atmosfera.

Assim na história temos uma ficção que começa seis meses antes do jogo iniciar o seu relato. O Dubai sofreu uma enorme tempestade de areia que devastou a cidade tornando-a inabitável, tendo de ser evacuada. Como o Coronel Konrad se encontrava prestes a terminar uma missão no Afeganistão, voluntariou-se para ajudar no processo de evacuação, tendo levado consigo o batalhão Damned 33rd. Nem o Coronel nem o batalhão voltaram a ser vistos depois disso. Recentemente a voz do Coronel Konrad foi captada numa emissão de rádio, e foi aí que os militares americanos decidiram enviar uma pequena equipa de três soldados, para descobrir o que se passou com o Coronel Konrad e o seu batalhão.

A história do jogo define-se assim pelo processo de descoberta do que aconteceu ali, tarefa encarregada ao capitão da pequena equipa, Walker, que é o nosso personagem no jogo. Spec Ops está longe de se limitar a ser um shooter em que se avança por avançar, temos mistério, temos suspense, temos questões em aberto que gritam por respostas. O nosso objectivo não é apenas avançar para a próxima área de jogo, e chegar à última paragem para salvar Konrad. É verdade que não falta shooting, ainda assim existem muito menos inimigos a abater que em “Max Payne 3”, porque o essencial está no ganho de compreensão do puzzle narrativo. A história vai-se construindo no jogo, mas mais relevante de tudo, é que a história se vai construindo a partir das nossas acções.

O nosso personagem inicia a sua aventura como um simples soldado a cumprir ordens, igual a todos os outros, com vontade de cumprir a sua missão. Contudo no final este é uma alma completamente devastada, já não passa de uma concha do ser humano que era no início. Deste modo a história está longe de se limitar ao enredo, a busca pelo Coronel, porque como já disse acima, o que verdadeiramente se torna relevante é o processo de busca, e o seu impacto sobre os personagens. Neste sentido Spec Ops segue em total sintonia Apocalypse Now, mas vai para além deste em termos da forma, quando a partir do meio do jogo, nos começa a colocar face a decisões de ordem moral, para as quais o jogo não indica respostas, e aqui entramos no ponto do storytelling interactivo.

Se o Capitão Willard (Martin Sheen) em Apocalypse Now nos parece um ser devastado, e empatizamos com ele, aqui torna-se inevitável ir além da empatização, já que somos nós o capitão, e as piores decisões naquele universo, ainda que ficcional, são tomadas por nós. Mesmo que nós procuremos desculpabilizar-nos, porque algumas acções são tomadas com desconhecimento dos potenciais efeitos, ou por imposição dos inimigos, na verdade fomos nós quem fez, quem agiu, e quem "matou". Contudo e apesar de tudo isto ser verdade, e de o desenho da interacção estar bem conseguido, no final não me sinto o Capitão Walker, quando no final tomo a decisão de me suicidar, não é porque me quero suicidar, mas é porque quero castigar o protagonista. Porque se é verdade que fui eu quem agiu no jogo, senti na maior parte das vezes que essas decisões me eram impostas, não as tomava de livre vontade. Além disso, em termos emocionais comecei a sentir uma dissonância cognitiva com o personagem principal, já que o facto de ele avançar tresloucadamente atrás de Konrad, me parecia injustificado, talvez porque se quebra o princípio da moralidade, quando o Capitão Walker deixa de agir pela moral, e passa agir na mesma moeda de Konrad. Walker torna-se num deles, e acaba incorporando todo o peso negativo de Konrad.
Coronel Kurtz, interpretado por Marlon Brando em Apocalypse Now (1979)

No fundo o que constatamos é que emerge uma experiência diferente em Spec Ops face a Apocalypse Now, e essa diferença advém de uma mudança de foco do Mal, que emerge do tom da história. Ou seja, se em Apocalypse Now toda a carga do mal está colocada na guerra, e nos efeitos que esta produz nos seres humanos, aqui o mal está todo colocado sobre o Coronel Konrad. Isto é, tanto no filme como no jogo, temos um Coronel que enlouqueceu e que age de forma insana mas o modo como Coppola filma e o modo como Marlon Brando interpreta o seu Coronel Kurtz, conferem uma carga mística tão forte ao personagem, que todo o mal que lhe poderia ser atribuído, acaba sendo atribuído aos efeitos da guerra. Ainda por cima, uma guerra injustificada como foi a do Vietname. Já em Spec Ops, Konrad, ainda que ilusoriamente, vai-nos acompanhando no jogo em voz, vamos sentido que é ele quem nos obriga a fazer o que fazemos, que é ele o maior mal ali, e quando chegamos ao final estamos na verdade como ele, tal como acontece com Willard em Apocalypse Now, mas se estamos devemo-lo a ele, e não propriamente à guerra.

Momento alto de Spec Ops: The Line. Imagem de Dead End Thrills.

É claro que a escrita da história justifica-se porque no final não existe Konrad, ele não passou do Coronel idealizado pelo Capitão. Konrad está morto desde o início. E assim tudo o que fizemos ao longo do jogo, foi apenas porque enlouquecemos, tal como Konrad também já tinha enlouquecido antes. Neste sentido, o mal não está colocado em Konrad, mas na guerra, já que quem levou o capitão à loucura, foram os soldados que permaneceram ali sozinhos, que ficaram sem lei, sem responder pelos seus actos e dessa forma nos condicionaram, nos enlouqueceram. O problema é que isto só é revelado no final, depois de eu já ter construído todo o mapa dos meus personagens, a forma como me é revelado que Konrad está morto é surpreendente e demasiado breve. Ainda por cima, na cena final Konrad volta a surgir-me nos meus pensamentos, e sou levado a matá-lo a ele ou a mim próprio, ou então a morrer às suas mãos.

Um outro elemento que distancia Apocalypse Now de Spec Ops é a atmosfera, e acaba contribuindo para a diferenciação da tónica do Mal causado pela guerra. Ambas são pesadas, a floresta quente e as chuvas torrenciais do Vietname, e o calor sufocante e as tempestades de areia do Médio Oriente. Mas Coppola consegue extrair uma atmosfera muito mais pesada do seu espaço, não pelo espaço em si, mas pelo modo como o dramatiza, através do som, da música, da cinematografia, das performances dos actores. Em Spec Ops, apesar dos autores referirem que procuraram trabalhar com o peso das tempestades de areia, elas aparecem apenas duas ou três vezes, e na maior parte do tempo estamos em locais fechados com luzes interiores coloridas, ou fora com um sol fantástico, o que contribui para uma sensação de maior leveza de todo o ambiente e atmosfera.

Muito mais existe aqui para analisar, porque se Apocalypse Now foi considerado como o único filme a falar verdadeiramente sobre o que representou o Vietname, Spec Ops deve ser considerado como o único shooter que verdadeiramente fala sobre guerra. O resto dos shooters que temos produzido nos últimos anos, limitam-se a criar fantasias sobre a guerra, aliás como muitos dos filmes feitos sobre o Vietname. No campo estético existe também imenso aqui para desconstruir, principalmente no modo como a história vai sendo passada até nós, fazendo uso de todo o meio, inclusive dos ecrãs de loading de cada vez que morremos. Como diz um dos designers da narrativa, Richard Pearsey, o jogo é a vários níveis, extremamente coerente,
"People are not going to get mad at you ... if what you do is consistent with the game world. If what happens ... if the shocking moment is adequately prepared ... for you to understand that this type of game that you bought into, it's going to get progressively worse and we're going to talk about whether or not your actions are appropriate or not. Your characters are going to talk about it - the game talks to you. We completely break it down with game screens and load screens and whatnot. We talk to you about it.”
Para terminar, temos a mesma história contada por meios diferentes. Permanece em mim a dúvida que já tinha levantado a propósito de Red Dead Redemption, não sei se as diferenças que senti em termos da experiência advieram pela componente interactiva, ou pela interpretação distinta que cada um dos autores fez da mesma história. Porque por mais que eu queira ler nas minhas escolhas, no jogo, a minha autoria, sinto sempre que o jogo expressa uma ideia daquilo que eu devo fazer, do que é esperado de mim, como que se me condicionasse a seguir uma ideia. Essa ideia é aquela que o autor tem em mente, porque no fundo é ele que se expressa, e não eu, nunca sinto que sou eu…

abril 10, 2014

"Max Payne 3"

Foi recebido com grande pompa pela crítica e também pelo público, em parte graças ao facto de ser uma das séries mais interessantes da geração anterior (2000-2006) que agora via um novo episódio ser criado por uma das empresas mais respeitadas do meio, a Rockstar. Por outro lado quem não gostou acusou o jogo de estar pejado de cutscenes, mais parecendo um filme atravessado por pequenas zonas de interacção, com muito pouca liberdade.



Antes de entrar em Max Payne 3 (2012), quero dizer que considero Max Payne (2001) um dos jogos mais relevantes do meio, por tudo o que conseguiu revolucionar, nomeadamente na criação de momentos híbridos entre cutscenes e interactividade, capazes de manter o flow narrativo intacto. Max Payne 2 (2003) representou uma melhoria, nomeadamente em termos de produção, não tendo acrescentado muito mais. Por isso o facto de ser a Rockstar a produzir o terceiro volume seria de esperar que conseguisse elevar a marca da série a níveis ainda não experienciados. Mesmo assim demorei muito para pegar em MP3, essencialmente pelo que vi nos trailers. Demasiado tiro, ambiente Miami Vice em vez de noir, e algumas análises que fui vendo que me davam a ideia de ser mais do mesmo. Se agora sucumbi a MP3 foi porque o apanhei a bom preço e pensei que se tinha acabado de jogar um FPS, Metro: Last Light (2013), que tinha gostado bastante, talvez pudesse estar num momento de maior receptividade ao género.

Uma desilusão, é o principal adjectivo. MP3 tem muito pouco para oferecer enquanto obra artística. Não inova na jogabilidade, não inova na narrativa, está pejado de clichés de jogo e narrativos, sendo incapaz de nos agarrar dado o tamanho da incredulidade daquilo que nos é apresentado. Ora vejamos,

1 - Jogabilidade - a única coisa que fazemos é caminhar, esconder e atirar. Extremamente básico na progressão, já que nada se altera, tornando toda a experiência cada vez mais mecânica. Podemos resumir a jogabilidade, a espaços de descanso, em que andamos a pé, e espaços de acção, em que atiramos. Nos de descanso nada se faz além de admirar o ambiente, apanhar uma ou outra arma, alguns medicamentos, e umas peças de armas. Os de acção, estão sempre divididos em vagas de inimigos, progressivas em crescendo de número. São estas vagas que definem o desenrolar da narrativa, uma vez que a maior vaga de inimigos termina sempre o capítulo. Tudo muito previsível, padrões de jogo muito evidentes, os clichés do esconde-atira ou da arma com mira, fico triste porque se sente a preguiça no design, ou então quiseram apenas agradar aos shooters.

2 - Narrativa - aqui as coisas descambam totalmente, não por causa do excesso de cutscenes, que até vão servindo bem o flow narrativo, mas por causa da história. O videojogo não consegue sequer evidenciar os problemas de alcoolismo do protagonista, porque o modo como é apresentado mais parece um boneco, sempre com um copo numa mão e uma Uzi na outra. Não existe nada no jogo que evidencie os impactos de tanto álcool, a não ser alguns efeitos de distorção visual e a voz grossa que debita os monólogos, que por si até são cativantes dada a performance, mas quanto mais Max bebe mais duro e resistente parece ficar?! Por outro lado e em consonância com esta dissonância, temos o número de inimigos a abater em cada vaga de cada capítulo. No caso da família Brasileira para quem Max Payne trabalha como guarda-costas, para além do exagero do número de tentativas de assassinato e resgastes dos membros da família, cada uma destas tentativas é realizada por meio de largas centenas de indivíduos contratados para matar. O mesmo acontece com a história paralela passada em NY com a família da máfia. Ou seja, ao longo do jogo matamos vários milhares de sujeitos, literalmente milhares!!! E eu fico a questionar-me, quem são estas pessoas, de onde vem o dinheiro para pagar tanta gente, que tipo de organização seria necessária para liderar algo deste tamanho, enfim tudo completamente ridículo. Fez-me lembrar do número de cadáveres ensanguentados que encontramos na ilha do último Tomb Raider (2013), ou do Rambo o imbatível, um para mil.

Capa do primeiro, de três livros, sobre Max Payne 3 editado pela Marvel 

Por outro lado chamar a Max Payne um trabalho noir é pura arrogância, já para não falar nas incongruências, dispersões e fragmentações que toda a narrativa sofre ao longo do jogo. Para quem leu os três livros de banda desenhada, editados pela Marvel, lançados previamente para preparar o terreno narrativo para o jogo, fica uma perplexidade, porque é que esses apenas apontam a linha narrativa da família da máfia, ou seja a vertente mais noir? Percebe-se que querem avançar, Max Payne tem de abandonar o lugar em que sempre viveu, e fazer-se à estrada, se não acabará por morrer ali às mãos da máfia, mas daí a saltar para um universo totalmente diferente, com questões culturais, sociais e ambientais tão profundamente diferentes! A ideia terá sido porque existem muitos bandidos e muita droga nas favelas do Brasil? Isso é suficiente para ligar os dois mundos? A verdade é que é inevitável ver os clichés dos filmes de acção pesada, passados na América do Sul emergir, como "Collateral Damage" (2002) ou "Proof of Life" (2000), entre outros. Temos acção exótica, mas não temos noir.

De tudo isto salva-se a apresentação visual, os cenários do Brasil, o próprio Max Payne bem envelhecido, e as excelentes performances de voz, incluindo dos ladrões e polícias no Brasil. Em termos de investimento na produção não podemos apontar o dedo à Rockstar, que parece ter investido forte, só faltou vontade de fazer algo que fosse para além do mero shooter. Porque no fim do dia, é isso que temos, um jogo desportivo de tiro, e não uma aventura, apesar de no final nos servirem um memorável final de jogo, que tão bem fecha todo o nosso investimento.


abril 08, 2014

1001 Movies You Must See (Before You Die)

Mais um hino à arte cinematográfica chega à rede na forma de um trabalho colossal, criado por um amante de cinema. Jonathan Keogh dedicou um ano a criar "1001 Movies You Must See (Before You Die)" (2014), um filme de 10 minutos que reúne como o título indica, excertos de mil e um filmes. A selecção dos filmes é baseada no livro homónimo de Steven Jay Schneider, editado pela primeira vez em 2003 e que desde então já viu várias edições.









Tendo em conta o número gigantesco de filmes a apresentar em tão curto espaço de tempo, Keogh viu-se obrigado a recorrer a algumas estratégias visuais para apresentar os filmes, nomeadamente a figuras de transição, vinhetas, e multiscreen, por vezes de modo bastante engenhoso, para assim conseguir lançar no ecrã vários clipes de filmes em simultâneo. Deste modo é um trabalho que permite apenas vislumbrar os filmes de que nos fala, não pretende substituir o livro, já que não o consegue fazer em termos informativos. Apesar disso funciona muito bem nos filmes que tenhamos visto, já que nos vai despertando as memórias, por vezes quando não conhecemos desperta a curiosidade, e serve de pista para procurarmos saber mais sobre o filme.

abril 07, 2014

"Castle of Illusion" (2013)

Por estes dias acompanhei o meu filho ao longo do remake "Castle of Illusion. Starring Mickey Mouse" (2013) da Sega, e posso dizer que fiquei bem impressionado com o trabalho gráfico, nomeadamente com um Mikey 3d sempre muito atractivo, mesmo quando em plataformas 2d. Por outro lado fiquei menos impressionado com a manutenção do design de mecânicas dos anos 1990.




Pelo que li este remake manteve grande parte da jogabilidade, e isso percebe-se claramente na dificuldade de algumas plataformas e alguns bosses. Julgo que o meu filho por ainda não estar formatado pelos ritmos dos jogos de hoje acabou por suportar bastante bem o embate, mas dei por mim a querer desistir depois de tanto perder. Nomeadamente nas plataformas 3d, em que os saltos se tornam bastante difíceis por não estarem bem desenhados em relação ao controlo do personagem e câmara.

Mas foi na análise desta dificuldade que me deparei com alguns dos problemas deste tipo de design. Enquanto o via jogar notei que a dificuldade e o esforço, algo tão louvado nos jogos de "antigamente", acabam muitas vezes por evidenciar problemas derivados das mecânicas de repetição, nomeadamente quando o jogador, por realizar n tentativas, acaba detectando padrões de acção, e passa a usar esses padrões exclusivamente para avançar no jogo. A descoberta destes padrões funcionam quase como se se tivesse conseguido furar a lógica do design, o que acaba por desenvolver sensações estranhas, porque se sente a recompensa de se estar a avançar, mas por outro lado sente-se uma espécie de culpa por estar a usar um padrão de ação em repetição, como se se estivesse a fazer batota!

Um outro caso de lógicas dos anos 1990 foi o do final. Depois de várias horas a tentar derrotar o boss final, a Bruxa Má, a cinemática apresentada não podia ter sido mais pobre, e não estou a falar da componente narrativa, mas gráfica. Depois de ter assistido a algumas cutscenes em 3d interessantes a meio do jogo, foi com algum espanto que vi a cutscene final ser realizada em 2d, e apenas com imagens estáticas, uma espécie de animático. Até pode ser que este seja o final original, mas foi uma enorme desilusão. Fica aquela ideia que era comum, também no passado, de que só uma parte muito pequena de jogadores chega ao final, e por isso não vale a pena investir em criar conteúdos demasiado bons para tão poucas pessoas verem!!!


De resto, é um pequeno jogo interessante, com um jogabilidade intuitiva, bastante mecânica e repetitiva, mas ainda assim capaz de deliciar qualquer amante da Disney e do Mickey.