junho 10, 2017

Robinson Crusoé (1719)

Mais do que um clássico, é parte do imaginário cultural ocidental, não existindo quem não conheça a história, de tanto ser reproduzida e recontada nas mais variadas formas. É o primeiro romance realista, lançado em 1719, escrito por um jornalista que baseado em casos reais, de pessoas perdidas em ilhas do Pacífico, resolveu friccionar uma história escrita. Apesar de toda a sua relevância, sobreviveu mal ao tempo sendo hoje um livro que, apesar de clássico, serve melhor o público infantil.


As minhas maiores reticências face a Robinson Crusoé começam pela ausência de pano psicológico, e não falo de desvelações profundas sobre o sentir do personagem, mas tão só a simples descrição do isolamento humano. Isso é algo que não existe em Robinson Crusoé, nunca ele se sente só, tem sempre algo para fazer, construir, conquistar. Apesar de ter consigo um cão e gatos, nunca estes são descritos, nem sequer servem para falar do estado de alma de Robinson. Aliás, tudo isto é por demais perturbador quando ao naufragar na ilha, o personagem não tem qualquer curiosidade em ir ver se está realmente numa ilha ou península, em ver se existem outras pessoas ali perto, passando meses sem nunca dar a volta a ilha, limitando-se a um pequeno cantinho da mesma. São 28 anos vividos na solidão que poderiam bem ter sido vividos numa qualquer encosta de montanha, a dois ou três quilómetros da civilização. Intui-se muito rapidamente que o autor está a escrever com base em relatos, e não em qualquer experiência verdadeiramente vivida e sentida.

Do mesmo modo as descrições sobre caça e comida roçam o ridículo, com Robinson a referir a necessidade de investir todos os dias 3 horas em caça, trazendo animais de grande porte, como Lamas (apesar de ter situado a ilha no Atlântico), passando a ideia que não vive ali apenas um ser humano mas uma família numerosa. É verdade que ninguém naquela altura pensava nos animais que se caçavam ou nas árvores que se cortavam, como se os recursos do planeta fossem infinitos, mas é angustiante ler os hábitos que o escritor incute no personagem, como se o ser humano fosse não apenas insaciável, mas superior a qualquer outro animal no planeta.

Todo o livro está pejado de um discurso profundamente colonialista, egocentrado, com o europeu hábil e astuto capaz de transformar o ecossistema em que vive graças à sua enorme inteligência, por oposição aos nativos que não passam de sub-humanos, canibais, sem conhecimento de Deus e por isso incapazes de ir além pela fraqueza de espírito. A tudo isto serve muito bem a presença dos portugueses que estão quase todo o livro presentes no desenvolvimento de Crusoé, espelhando historicamente aquilo que fomos durante tempo demais.

Dito tudo isto, é um pequeno livro que interessará ao público mais jovem pelo seu lado aventureiro, desde logo pela ideia romântica de se viver isolado do mundo numa ilha, mas também pelo ficcionar de vários episódios rocambolescos — com piratas, canibais, e motins. Nesse sentido o modo como o personagem de Crusoé recorre aos conhecimentos que detém para edificar as suas casas e cultivar cereais acaba sendo o que de melhor se retira. Embora, seja aconselhável uma conversa com os leitores, no sentido de providenciar um olhar crítico sobre muito do que ali se vai desenrolando.

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