dezembro 23, 2017

Gorogoa (2017)

“Gorogoa” de Jason Roberts é o videojogo sensação deste final de 2017, apanhando muita da crítica de surpresa, apesar de estar em desenvolvimento desde 2012, tendo mesmo ganho vários prémios antes mesmo de ser lançado — Visual Art no Indiecade 2012, Visual Art no IGF 2014, e já este ano nomeado na lista de melhores da E3 2017. Se a arte visual tem sido o elemento mais laureado, aquilo que eleva o seu  design para o nível de arte, é o desenho de jogo inovador que acaba por ser o principal responsável por nos fazer fazer submergir totalmente no universo representado.

"Gorogoa" (2017). Criado e ilustrado por Jason Roberts

O primeiro impacto é forte, parecendo não existirem quaisquer referências possíveis, contudo elas existem. A minha primeira associação surgiu pelo lado da banda desenhada, em especial a sua variante ainda pouco desenvolvida, dos interactive motion comics (ver por exemplo: "The Art of Pho" (2012) "The Random Adventures of Brandon Generator" (2012); “CIA: Operation Ajax” (2014)). Mas percorrendo as relações entre os videojogos e a BD podemos encontrar outros casos de interesse, surgindo à cabeça um caso de relevo, “Framed” (2014). Se dúvidas restassem quanto a estas referências, atente-se nas próprias palavras de Jason Roberts:
"The idea began long ago as an idea for an interactive comic whose panels could be moved around and interact with each other to effect the story. I abandoned some of the complexities of that idea for something that would be a little bit freer of strict narrative structure and a bit more abstract, which allowed different parts and layers of the game's world to dissolve together more easily. The design was also inspired by card games in a roundabout way, especially the idea of playing a card game that is simultaneously a magic trick." Jason Roberts em entrevista à Eurogamer, 11/10/2012
Este comentário de Roberts é particularmente relevante para se compreender a natureza de “Gorogoa” tanto no seu design quanto na sua narrativa. Não é fácil chegar à compreensão daquilo que o jogo está a tentar dizer por esse abandono da estrutura narrativa que Roberts refere, claramente em nome do impacto sensorial produzido pelo efeito das imagens dentro de imagens, seguindo, penso eu, o modo como os nossos pensamentos se vão formando, numa lógica de descasque de cebola. Por outro lado, a história escolhida é particularmente pessoal, como se pode ver nos dois comentários de Roberts abaixo, que recorrendo à fantasia do seu próprio imaginário e sem a devida contextualização, nos deixa completamente à deriva.
"The title is a word I invented when I was a kid for an imaginary creature, and since the game contains no language I wanted a title that is not a word in any language (or not meant to be) (..)  [it's about] "a boy seeking an encounter with a possibly divine monster." Jason Roberts em entrevista à Eurogamer, 11/10/2012
"There's the notion that the first thing you make—like if you make a book at 26, you've spent 26 years making that book in a way" Jason Roberts em entrevista Kotaku 11/14/12
Pode-se argumentar que o engenho inventivo no campo do design, pela sua necessidade de recriar a forma, é pouco dado à obediência à forma narrativa, o que não é completamente falso, contudo não faltam exemplos de inventividade capazes de dar resposta às necessidades do contar de histórias. Aliás, como disse acima, parece-me que o problema de comunicação do universo se prende mais com o facto do autor ter recorrido a um mundo fechado de sentidos, não tendo realizado o devido esforço para o dar a conhecer.

Neste mesmo sentido é inevitável convocar para esta conversa uma das bandas desenhadas mais inovadoras que li nos últimos anos, “Here” (2014) de Richard McGuire, não apenas pela inovação mas por apresentar claras proximidades com o trabalho criado por Roberts. “Here” é provavelmente a obra mais impactante criada por recurso à técnica de imagem dentro de imagem, recorrendo a uma lógica temporal para gerir o puzzle da representação que se vai desfilando na nossa frente. Não é neste caso também fácil chegar à história, contudo o foco de abstração escolhido por McGuire, por ser muito mais universal, facilita o nosso acesso, tornando a experiência imensamente compensadora. “Gorogoa” não usa o tempo mas em sua vez usa a interatividade que acaba por exponenciar a representação em puzzle e elevar a imersão do jogador.

Here” (2014) de Richard McGuire

O factor exponencial do puzzle é real, se em “Here” vamos sentindo a exigência de manter na mente as várias datas e alterações de cenário ao longo do virar de páginas, em “Gorogoa” tudo se complica ainda mais já que não podemos avançar sem fechar cada puzzle. No fundo falamos da essência que separa o videojogo do livro, ou seja, só podemos aceder aos passos seguintes se conseguirmos compreender o que a obra nos pede, não que faça muito sentido avançar num livro sem compreender o que se vê ou lê, mas nada impede o leitor de tentar avançar para ver se com mais informação consegue compreender o que antes não conseguiu.


Neste sentido “Gorogoa” é bastante exigente, não é que os puzzles sejam muito difíceis, a complexidade advém mais pelo uso da técnica da imagem dentro de imagem, que Roberts acaba por trabalhar em múltiplas camadas, obrigando o jogador a trabalhar também mentalmente com múltiplas imagens em simultâneo. Naturalmente, se conseguimos reter um máximo de 5 a 7 elementos na memória de curto prazo, sempre que nos pedem que a usemos em toda a sua dimensão, acabamos por sentir o esforço drenar-nos interiormente. Por outro lado, esta exigência de atenção, obriga-nos a um nível tão elevado de focagem, que se torna impossível pensar em algo mais para além de “Gorogoa” enquanto jogamos, o que produz uma imersão total.


"Gorogoa" pode ser jogado na Switch, Android e iOs.

Sem comentários:

Enviar um comentário