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junho 07, 2021

Chernobyl, ficção histórica como documentário

Não tinha intenção de ver a série "Chernobyl" (2019), apesar do seu estrondoso sucesso, muito por ter já lido "Vozes de Chernobyl" da nobel Svetlana Alexievich que ficou para mim como obra seminal sobre o tema. A terminar os 5 episódios percebi o seu sucesso, que se deve ao drama já apresentado por Alexievich, agora aqui transposto, ainda que por muito violento que pareça a quem apenas viu a série, me pareceu bastante contido face ao que tinha lido. Mas, considero que a série não se limita ao livro, e consegue produzir o seu valor particular, nomeadamente na segunda metade. Falo de toda a discussão em redor da ciência e a desconstrução do que efetivamente aconteceu na sala de controlo e que permitiu a explosão do reator.

setembro 07, 2019

O mundo-história de "Aniquilação"

É a imaginação, é da imaginação que brota toda a criatividade, lugar do brincar cognitivo. Foi por acaso, enquanto olhava para o perfil de Vandermeer, que descobri que além de autor de ficção-científica era também o autor de “Wonderbook” (2013), um dos meus livros preferidos sobre ficção criativa, inspirador da primeira à última página. E só assim comecei a compreender porque me tinha apaixonado pelo livro, e filme homónimo, “Aniquilação” (2014) (2018). O cerne está no mundo-história criado.

É a primeira vez que compro um livro que vem com 3 capas, a original (à direita) e duas sobre-capas, uma do filme, e outra dos 20 anos da Fnac.

Assim, e se o filme foi criado pelo brilhante Alex Garland, com um guião seu adaptado do livro de Vandermeer e com imensas variações sobre a história, é o universo imaginado e populado por Vandermeer que nos apaixona. Do ponto de vista estético, o filme é muito superior ao livro, Garland é muito mais dotado no manejo técnico das ferramentas de expressão cinematográfica. Vandermeer não é mau, mas não vai além do suficiente em termos de escrita. Mas nada disto importa muito porque aquilo que é relevante é o mundo imaginado por Vandermeer.



Imagens do filme homónimo (2018) de Alex Garland

À primeira vista, esse mundo pode parecer apenas uma variação dos universos de Stephen King, tais como “A Cupula”, um recorte da realidade com condições particulares criadas por uma força ou identidade desconhecida. Mas é mais, bastante mais. Vandermeer cria um mundo alternativo através de uma fusão entre arte e ciência. Socorre-se fundamentalmente da Biologia, mas recorre à Linguística, Antropologia e Topografia (estas são as quatro áreas de especialidade das mulheres que acompanhamos na expedição à Área X) para conceber e desenhar um conjunto de variações no espaço e natureza.

Páginas do “Wonderbook” (2013)

É dada supremacia à biologia, pela sua vertente orgânica, o que em termos de criação de mundo pode ser vista como base plástica — visual e sonora. Tendo em conta que a realidade na Terra é já de si natural, orgânica, o que Vandermeer faz é ampliar o poder e efeito do orgânico. Uma espécie de reclamação do mundo por parte da natureza. Podemos dizer que o mundo de Vandermeer apresenta uma evolução sobre os mundos pós-apocalípticos mais recentes do tipo “The Last of Us” (2013) ou daquilo em que Chernobyl se transformou, em que o verde toma conta das estruturas criadas pelo humano. Por outro lado, podemos ver também um regresso a alguma ideologia dos anos 50 e 60, da transformação da natureza por via nuclear, dando origem aos mundos estranhos dotados de particulares bizarras, que alguns exploraram com os super-heróis, outros com o terror, e que Chernobyl acabou demonstrando fazer pouco sentido.

Talvez por isto mesmo, as alterações biológicas em Aniquilação não sejam nunca vistas como algo fruto de intervenção humana, mas antes alienígena. Como se os extraterrestres finalmente tomassem as formas propostas por Carl Sagan, não dotados de formas reconhecíveis, menos ainda hominídeas. Uma entidade que toma conta do espaço que dialoga com ele, amplia as suas capacidades, intervém, altera e transforma, mesclando e fusionando. E quando o humano intervém é introduzido em todas essas transformações como apenas mais um elemento da natureza do planeta. Em certos momentos, fez-me recordar “Solaris” de Tarkovsky (1972) e Lem (1961), a entidade-planeta que pensa e cria mundos-ilusão com o que os humanos se vão deparando, uma entidade que interage connosco não pela ação física ou forma, mas pela relação mental, cognitiva e emocional.

Não posso dizer que o trabalho de Vandermeer seja eminentemente cerebral, existe alguma ação à lá Hollywood, mas claramente quis mais do que isso e conseguiu-o por via do mundo que criou, o modo como o ambientou e ainda a escolha dos intervenientes alienígenas e humanos. Só tenho pena que a Linguística não tenha tido mais espaço, ela é importante mas acaba sendo de certo modo secundarizada, poderia ter aberto outros caminhos como fez Villeneuve em "Arrival" (2016) com a hipótese de Sapir-Whorf.

outubro 15, 2016

"Vozes de Chernobyl" (1997/2013)

Fez em abril 30 anos o acidente de Chernobyl, um acontecimento trágico da nossa história recente, com ramificações dramáticas em múltiplas frentes, nomeadamente na relação entre o homem e a Terra que nos obriga a refletir sobre o conhecimento que andamos a criar. A tragédia arrepia tanto como fascina, pela nossa incapacidade de lidar com o resultado desse conhecimento, exercendo simultaneamente uma atração por um desconhecido imensamente poderoso, como se miticamente, tivéssemos despertado um Deus da Matéria que contra nós se virou. É sobre isto que Svetlana Alexievich escreve, usando para tal todo um estilo literário muito pessoal, humano, intenso e único.

"Do Deus da ciência e do conhecimento, ou do Deus do Fogo? Neste sentido, Chernobyl ultrapassou Auschwitz e Kolymá. Ultrapassou o Holocausto. Chernobyl sugere finitude. Vai de encontro ao nada.” (p.53)
Em 1986 compreendia pouco do mundo que me rodeava, mas o impacto do acidente chegou-me, mais histórias e mitos do que factos e informação, o que serviu para criar todo um imaginário que nunca deixou de se ampliar com os anos, com a queda do Muro e o jornalismo, com a banda desenhada, o cinema, e depois a internet. Nos anos mais recentes começaram a chegar imagens da Zona, dando conta do abandono e da retoma do espaço pela natureza, e ao mesmo tempo de um fascínio que continua intacto.

"Hotel Polissia" de Quintin Lake2007, Pripyat, Ucrânia

As Vozes de Chernobyl” foi publicado pela primeira vez em 1997, como fruto de 10 anos de entrevistas, tendo sido revisto e atualizado em 2013, podendo assim encontrar-se na versão atual menções a eventos recentes da história humana, contudo a generalidade dos relatos situam-se nessa janela temporal que medeia a primeira década após o acidente. À semelhança de outras obras da autora o registo resulta de entrevistas a centenas de pessoas reais, compostas num todo encadeado que dá corpo a um estilo descrito como polifónico, principal responsável pelo prémio nobel atribuído em 2015.

Quero contudo dizer que apesar de apresentado como não-ficcional, e de se enfatizar o  jornalismo como profissão da autora, a obra deve pouco a esses registos, essencialmente porque não se coíbe perante a falta de prova ou contraditório, não buscando nunca o mero ato informativo. É verdade que a obra de Alexievich brota do real, mas que obras não brotam, existirá outro espaço de onde alguma criação humana possa emergir além do real? São pessoas reais que falam, mas não são máquinas de registo de verdade, são seres criadores de mitos e histórias, por sua vez filtrados pela autora do texto.

O facto das entrevistas serem realizadas com pessoas reais, não torna o texto de Alexievich mais não-ficcional, já que ele se apresenta filtrado de modo assumidamente autoral. O exemplo fotográfico acima dá bem conta do poder significativo da filtragem do real.

Porque a técnica de Alexievich, que dá forma ao seu estilo polifónico, não se limita à filtragem ou escolha dos melhores relatos, não se podendo falar de mera curadoria. O trabalho resulta antes de todo um processo criativo que recorre às entrevistas como material base para a criação do texto final. Das 500 pessoas entrevistadas, a autora selecionou cerca de uma centena, que por sua vez entrevistou mais de vinte vezes, resultando cada pessoa numa “voz”, que se faz representar num bloco de mais de 100 páginas. Alexievich refere em entrevista, no prefácio, que era “como pintar um retrato. Continuava a contactar as pessoas, e de cada vez acrescentava uma nova pincelada.” Estas “vozes” formam assim as unidades de trabalho de Alexievich, que podem funcionar como as tintas do pintor mas que são muito mais densas do ponto de vista humano, contribuindo diretamente para o traço autoral do trabalho.

Aliás, e apesar da obra de Alexievich ter mais de 30 anos, o seu reconhecimento agora, é imensamente representativo da época em que vivemos, do momento em que finalmente aprendemos a reconhecer o valor do remix na cultura humana, em que compreendemos como a criatividade não existe sem esse mesmo processo de remix, já que não pode surgir do vazio. Sempre o soubemos, mas foi necessário o surgimento das tecnologias criativas e de comunicação, e de toda uma geração capaz de criar e recriar obras completas com recurso a uma mera conexão à internet, para que nos questionássemos sobre leis que tínhamos criado no passado (ex. copyright) que impedem exatamente todo esse processo criativo profundamente humano.

E também, porque somos tapeçaria, somos coletivo, somos fruto de gerações e gerações que nos precederam, e da que nos rodeia em cada momento, é por isso que a obra de Alexievich nos fala tanto. Porque não é apenas ela, o indivíduo que fala, mas como disse antes, as suas unidades de trabalho, as "vozes", dão-lhe toda uma força, não apenas por estarem ali, mas porque ela soube tão bem, por meio delas, reconstituir o espaço por meio do tempo, e assim criar uma história.

Em termos de experiência, recomendo uma contemplação faseada, já que a tapeçaria de vozes apresentada por Alexievich é intensamente dolorosa. Enquanto lia, acabei descrevendo o que sentia como "murros no estômago, uns atrás dos outros". O livro reflete uma realidade passada na Bielorússia, um país pequeno e distante, do qual pouco conhecemos, mas é daí que vem o filme mais doloroso que alguma vi, "Come and See" (1985) de Elem Klimov, que apresenta uma reflexão sobre uma tragédia anterior noa país, a ocupação Nazi. Os entrevistados de Chernobyl comparam amiúde os dois eventos, e um deles chega mesmo a falar da impressão forte deste filme (p.267) para definir o que sente face a tudo o que vive.


Neste sentido, preciso de aprofundar e referir que apesar de aqui desmontar o trabalho de Alexievich em termos da sua ficcionalidade, de o apresentar enquanto obra que vai para além do mero rótulo de não-ficcional, essencialmente por apresentar uma visão pessoal do mundo, existe nesta, tal como acontece no filme de Klimov, uma subliminaridade de verdade, um traço de fundo que a todo o momento clama, dizendo, 'estas pessoas são reais', 'o seu sofrimento aconteceu'.

Por outro lado, à medida que vamos adentrando no livro uma certa capa de insensibilização vai-se formando em nós, como que para nos proteger dos choques seguintes, ainda assim a construção narrativa funcionando em crescendo nunca nos dá verdadeiro descanso, o que por outro lado acaba contribuindo imenso para a manutenção do interesse na leitura. Num trabalho desenhado a partir de tantas vozes sobre um mesmo assunto, seria expectável alguma redundância e sensação de repetição, contudo isso nunca chega a acontecer, o que dá bem conta do trabalho em detalhe realizado pela escritora, e do modo como manipula as vozes para construir a sua própria visão narrativa do tema.
"Bétulas leves... Abetos pesados... Não vou voltar a ver nada disto? Prolongar a vida por mais um segundo, mais um minuto! Para que passei tanto tempo, horas, dias, em frente da televisão, entre pilhas de jornais? O mais importante é a vida e a morte. Nada mais existe. Não dá para os pôr nos pratos de uma balança... Percebi que só o tempo vivo tem um sentido... O nosso tempo vivo..." (p.250)
Ler "Vozes de Chernobyl" é importante porque ajuda a compreender Chernobyl, mas não só, ajuda a compreender o ser-humano, o modo como funcionamos individualmente e em colectivo, dando conta da resistência humana, tanto no campo biológico como cognitivo. Em certa medida até apazigua, porque atira alguns mitos de Chernobyl borda-fora, embora o faça à conta de evidenciar a relação perversa entre políticos, cientistas e o povo. Do mesmo modo lança luz sobre a manipulação de informação dos estados comunistas, e como isso contribuiu para o fim desses mesmos estados, o que não nos descansará muito se pensarmos no quão pouco tudo o que aqui se descreve, sobre essa manipulação, se diferencia daquilo que os estados capitalistas hoje fazem (ex. Edward Snowden).


Nota final: sobre o filme “Voices from Chernobyl” (2016) de Pol Cruchten, baseado neste livro, que tem tido boa recepção da crítica, mas que eu, apesar de apenas ter só visto o trailer, não tenho intenção de ver. Como disse acima, estamos perante uma obra profundamente autoral, criadora de profundas impressões em nós, e se até gostei visualmente do trailer, pouco ou nada o consegui relacionar com a minha experiência pessoal da leitura do livro, que prefiro preservar.

novembro 29, 2014

Voando sobre Pripyat e Chernobyl

Depois de aqui ter dado conta, por meio da fotografia assombrosa de Robert Polidori, do estado atual das cidades de Pripyat e Chernobyl, agora trago esse mesmo espaço visto por meio de vídeo, com sliders e drones, num trabalho espantoso de Danny Choke, que teve a oportunidade de aí se deslocar no âmbito da reportagem "Chernobyl: The catastrophe that never ended" (2014) para o "60 Minutes" (CBS).




Nas notas ao filme "Postcards from Pripyat, Chernobyl", Danny Choke dá conta da sua experiência pessoal vivida em 1986, quando com um ano apenas e vivendo em Itália, a sua mãe se viu obrigada a acorrer à compra de leite enlatado para o poder continuar a alimentar, isto porque as autoridades davam conta de uma nuvem radioativa que se aproximava do território italiano, a partir do acidente nuclear ocorrido em Chernobyl.

"Postcards from Pripyat, Chernobyl" (2014) de Danny Choke

O filme criado por Choke mostra pela primeira vez imagens aereas do espaço e com movimento, contribuindo para um renovar do nosso espanto com o lugar. Se as primeiras imagens a chegar do local, dando conta de todo aquele verde e abandono humano, já eram impactantes o suficiente, estas novas imagens, com a introdução do movimento e pontos de vista aéreos, servem no incremento do nosso imaginário, deslumbrando pela qualidade e novidade. A banda sonora utilizada, "Promise land" de Hannah Miller, funciona muitíssimo bem na ampliação do etéreo da atmosfera.

abril 03, 2014

“Metro: Last Light” (2013)

Comecei a jogar “Metro: Last Light” sem saber da existência do primeiro da série, “Metro 2033” (2010), mas sem grandes expectativas, uma vez que jogo poucos FPS. Provavelmente por não esperar muito, fui surpreendido pelo modo como me agarrou e envolveu desde os primeiros instantes. Esse engajamento deveu-se essencialmente à qualidade da atmosfera e do design de jogo e narrativa.




Metro: Last Light” (MLL) não é propriamente um jogo leve, trabalhando atmosferas próximas de "Doom 3" (2004), no que toca a medo e terror. Mas MLL trabalha num registo atmosférico que vai muito para além do mero terror, sendo capaz de apresentar nuances de thriller político, assim como de drama humano. E é este alargamento temático que faz sobressair a qualidade das atmosferas do jogo, demonstrando a sua eficácia comunicativa e emocional. Ora estamos num labirinto às escuras sob tensão pura com medo das aranhas que nos rodeiam, ora assistimos a um comício político das várias facções e compreendemos que existe alguém pronto a trair-nos, ora circulamos pelo metro e assistimos às difíceis condições em que as pessoas sobrevivem. Cada uma destas é desenvolvida através de uma belíssima arte visual e de um excelente design de som.

A estratégia de promoção de MLL passou por criar um pequeno filme de ação real como epílogo para a narrativa do jogo. Como o próprio título indica, "Metro: Last Light - Enter the Metro" (2013), dá conta do momento em que a população decide abrigar-se e entrar para o metro.

No campo do design da narrativa, é muito interessante verificar como sendo um FPS não se limita a um conjunto de cutscenes intervaladas por várias sessões de túneis de tiros. Desde o início que é a interactividade com os personagens de IA que gera a componente central da narrativa, sendo que todo o design da mesma se vai suportar num conjunto de companheiros IA que nos vão acompanhar ao longo das várias missões. O facto de se ir trocando de companheiro parece estranho ao início, mas rapidamente se entranha, compreende e até deseja. Cada um desses companheiros encarrega-se de nos situar na narrativa, tornando o storytelling muito mais ágil e próximo, é claro que para isso contribui uma noção muito clara do ritmo do storytelling necessário à compreensão da história. Os personagens companheiros são sempre suficientemente desenhados para nos permitir criar algum tipo de ligação com os mesmos, o que contribui imenso para o engajamento e interesse no jogo. O facto de se tratar de uma história com diversidade temática - terror, política e drama - permite abrir a experiência e torná-la mais estimulante. No final, e por conta da interacção com os personagens e os seus diferentes interesses, acabamos conhecendo muito melhor o nosso personagem, Artyom, e preocupamo-nos verdadeiramente com ele.

*** SPOILER***
Em termos de interactividade narrativa, existe um sistema de moral embebido, que nunca é revelado ao jogador, mas que quantifica o tipo de acções boas e más que este vai realizando ao longo do jogo. Existem alguns momentos chave em que podemos perceber que o que acabámos de fazer pode ter consequências à frente, já que os diálogos assim o indicam, mas nunca nos é dada a oportunidade de "jogar" com esse sistema. O sistema acaba por ser crucial no tipo de final que nos é servido, e assim dependente do tipo de acções que tenhamos realizado, no final podemos morrer, ou ser salvos pela família do Dark One. Se quiserem voltar a jogar, podem ver a lista de pontos morais na wiki do jogo, ou ver os diferentes finais. Do que me foi dado a perceber do jogo, existem dois momentos cruciais em que podemos perdoar e deixar viver, ou simplesmente matar os criminosos, e são esses que definem no final se o pequeno Dark One volta para nos salvar ou não.
*** END***

O design do jogo em si, não é menos interessante que a própria narrativa, já que é ele o responsável por condicionar assim como intensificar as atmosferas e o storytelling. Enquanto estamos no mundo subterrâneo do metro podemos circular à vontade, sem preocupações de maior, mas quando temos de ir para o exterior ou zonas corrompidas pela radioatividade temos de usar máscaras que se suportam em filtros com tempo limitado de vida. Este pequeno detalhe contribui para o desenho de uma jogabilidade que vai muito para além dos meros tiros, e da gestão das armas e balas, porque é um elemento narrativo profundamente ligado a toda a atmosfera do jogo. O sufoco que podemos sentir com o fim de um filtro, é uma metáfora do sufoco que se vive num mundo pós-apocalípico em que a única área habitável são os subterrâneos do metro. A duração dos filtros condicionam todo o modo como escolhemos realizar as nossas acções, já que nem sempre podemos optar por stealthing quando próximos das criaturas mais temerosas, pois o tempo que temos pode tornar-se curto em função dos filtros que apanhámos antes.

O design é também muito enriquecido pelo facto de os nossos inimigos não se limitarem a monstros criados pela radiatividade, mas antes diferenciarem-se entre os anormais radioativos e os supostamente normais mas ferozes, e mais interessante ainda, os inimigos, por motivo das facções políticas, serem por vezes também próprios humanos. Isso contribui para uma experiência de shooting que ganha dimensão narrativa, em vez de se limitar a um mero conjunto de elementos a abater.

A variação atmosférica, narrativa e do design muito bem executada em termos de organização e ritmo, cria um videojogo completo e imensamente compensador para o jogador, criando a motivação necessária à progressão no sentido do objectivo final proposto ao nosso soldado. Interessante ainda, saber que “MLL” é um jogo totalmente desenvolvido na Ucrânia, criado pelo estúdio 4A Games, fundado por elementos da extinta GSC Game World, responsável pelo aclamado "S.T.A.L.K.E.R.: Shadow of Chernobyl" (2007).

fevereiro 20, 2014

O universo visual de "The Last of Us"

Sei que pode parecer sobranceria da minha parte dizer que assim que vi as primeiras imagens em 2011 de “The Last of Us” (2013) fiquei apaixonado pelo jogo, agora que o jogo é aceite por todos como um dos melhores legados da última geração de consolas. Por outro lado, o Facebook acaba tendo destas coisas interessantes, consegui repescar o que escrevi na altura em que saiu o primeiro trailer, e a forma com o defendi. Dizia eu,

Pripyat,  Ucrânia
“é todo um Universo muito pouco explorado até agora tanto no cinema como nos jogos, a mistura de um cenário apocalíptico com o imenso verde da natureza. Algo que nos diz que a natureza continua o seu caminho, mesmo depois de nós. Ou seja, esteticamente, está mais próximo de "Children of Men" (2006) do que de "The Road" (2009).” (in Facebook 12.12.2011)
"Hotel Polissia" em Pripyat, Ucrânia. Fotografia de Quintin Lake

Na verdade quase tudo se resumiu ao meu encantamento por uma espécie de apocalipse verde. E é sobre este que faço este post, sobre a raiz que suportou toda a estética do jogo. Nate Wells, o lead artist de The Last of Us deu uma entrevista para o blog I.Eat.Games em Julho de 2013, na qual refere que a inspiração visual para o videojogo veio do livro “Zones of Exclusion: Pripyat and Chernobyl” (2008) do fotógrafo Robert Polidori, e acho que isso diz tudo sobre aquilo que encontramos no jogo.
“There’s a book that came out a few years back by a photographer name Robert Polidori called Zones of Exclusion. He went in about 20 years ago to the day into the Chernobyl site and photographed the town of Pripyat and Chernobyl. It was an inspiration during Bioshock 1, and when I came over to Naughty Dog there were 3 copies! Don’t try to get it because it’s like $400 because it’s out of print. This photographer also did Detroit and a smattering of other abandoned urban spaces. There’re also a bunch of great photographers on line too.
Those are all huge resources for us with The Last of Us, especially for lighting and the degree of decay and overgrowth. All those things. When you play the game you’ll notice those themes keep coming up.
The environment really becomes a mirror to humanity. Humanity has decayed and become infected, so has their world. It’s decayed and it’s now being overrun and reclaimed by nature in the same way their bodies are. It makes a great analog, but it also makes these incredibility beautiful moments that you’re not likely to see. To go into a beautiful hotel and see the ceiling caved in and now vines are reaching through the skylight, or to be in a space where the ceilings collapsed, seeds have fallen through and a tree has had 20 years to grow all inside a store. Those are the sort of things and the sorts of moments you want, and it’s the juxtaposition that’s so fun.” (Nate Wells, Julho 2013)


Fotografias de Robert Polidori do livro “Zones of Exclusion: Pripyat and Chernobyl” (2008)

Vendo as fotografias de Robert Polidori, entre muitas outras que se podem encontrar online, tiradas nas cidades de Pripyat e Chernobyl ao longo da última década, 20 anos após o seu total abandono, podemos encontrar zonas que o jogo praticamente decalcou, desde ginásios e corredores a praças, fachadas e varandas.



Fotografias de Pripyat e Chernobyl encontradas online

maio 21, 2012

a radiação gama

Poderoso e perturbador. Uma curta que nos fala dos universos de Chernobyl, e que só por nos dar ver o local, nos transporta para uma atmosfera diferente, nos envolve e prende a nossa atenção. Gamma trabalha no sentido de nos deixar a ver, e dá-nos a ver o que podem representar os raios Gamma. Apesar de ficcional, é impossível ficar indiferente a este filme. Não é dito claramente que o filme foi filmado em Chernobyl, apenas que foi filmado na Ucrânia e no Cazaquistão, não sei se por falta de autorização. Pelo que me é dado a ver tudo me convence de que terá sido filmado no local do desastre de 1986.


A composição digital e o 3d terá sido o grande objectivo da realização do filme por parte da equipa da Factory Fifteen (UK). Tenho a dizer que gostei, mas algumas das cenas precisavam de um pouco mais de trabalho nas texturas, nomeadamente para limar brilhos e iluminação. Apesar de tudo o filme é credível e funciona muito bem.

Gamma (2012), Factory Fifteen

Depois de verem o filme dêem uma vista de olhos no making of, vale a pena.