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fevereiro 10, 2020

Mais um portal aberto pela Realidade Virtual

No passado dia 6 de fevereiro a MBC, uma das principais cadeias de televisão da Coreia do Sul, exibiu o documentário chamado "Eu encontrei-te" ("I Met You") no qual a realidade virtual foi utilizada como ponte comunicativa para "o além". Jang Ji-sung mãe de 4 filhos, perdeu em 2016 a filha Nayeon, na altura com apenas 7 anos, morreu de leucemia. Em 2020, a tecnologia de RV e uma equipa de vários criadores multimedia a trabalhar durante 8 meses, proporcionaram a esta mãe o reencontro com "a filha", num ambiente virtual, uma experiência que a mãe qualificou como "um verdadeiro paraíso". A experiência levanta mais questões do que aquelas a que responde, mas é para lhes tentar responder que trabalhamos todos os dias.
Talvez o mais inquietante de tudo isto surja pelo lado do aproveitamento da cadeia de televisão, que explora de forma brutal e sem qualquer pudor a emocionalidade íntima daquela mãe. Por outro lado, provavelmente sem esta exibição não teria havido meios suficientes para construir a simulação que foi apresentada. A menina, Nayeon, não é apenas realista graficamente, ela movimenta-se e fala como a filha de Ji-sung, e isso exige todo um estudo de comportamento e reconstrução tridimensional demorado, complexo e muito caro.

Trecho de síntese do documentário exibido na MBC (tudo em coreano).

O visionamento da experiência funciona de forma bastante dramática, já que a criança surge de modo bastante realista, e percebemos pela reação da mãe que ela mexe totalmente consigo, sendo depois tudo assistido pelas irmãs e pai, que são aqui exibidos também, acrescendo em tensão dramática. A tecnologia utilizada não se limitou ao visual interativo, foi implementado todo um sistema háptico que permite à mãe tocar e acariciar a filha, e podemos ver como a mãe se queda ali diante da ilusão ligada a esse toque, como se tivesse tido acesso a um mundo ausente, diretamente projetado da sua mente, mas plasmado em algo que se pode ver e tocar, como se o seu mais íntimo desejo se tivesse tornado realidade. Nas palavras da mãe:
"Eu encontrei Nayeon, que me chamou com um sorriso, foi um momento muito curto, mas um momento muito feliz. Acho que tive o sonho que sempre desejei."
Do ponto de vista psicológico, podemos questionar se é uma experiência benéfica. Não sabemos, mas não será pior do que ver e rever fotografias e vídeos, claro que com a diferença de acrescentar a dimensão de agência que cria toda uma nova experiência no repertório de memórias da mãe. Mas será diferente de encontrar uma carta deixada por um familiar que partiu, nunca antes lida? Ou de uma gravação de vídeo que nunca anteriormente vimos? Podemos discutir a relevância de reviver o passado, ou de rememorar nesse passado, mas esse não é um problema da RV. Aqui trata-se de uma experiência de poucos minutos. Claro que se levarmos isto para a ideia de reconstrução de uma persona completa num mundo virtual, com inteligência e capaz de comunicar e reagir a nós, no fundo um ressuscitar virtual de uma pessoa, como foi perspectivado recentemente num episódio de Black Mirror, aí sim, estaremos a entrar em águas desconhecidas...
Do ponto de vista da tecnologia, o que temos aqui é a RV a cumprir o sonho do cinema, segundo André Bazin. Para Bazin, o cinema devia ter-nos dado acesso ao "mito total", o de um "realismo integral, a recriação do mundo à sua imagem, uma imagem na qual não era ponderada a hipótese da liberdade de interpretação do artista numa irreversibilidade do tempo". O cinema não deveria registar apenas a imagem, som e movimento deveria ir além e registar as pessoas, guardá-las, preservá-las, e de cada vez que víssemos o filme poderíamos vê-las, mas poderíamos também com elas interagir, falar e assim criar novas experiências, novas memórias. Mas como ele dizia em 1948, o cinema não tinha ainda sido "inventado", mas parece que estamos cada vez mais perto desse "mito".

outubro 27, 2019

Kevin Kelly e o Elogio da Tecnologia num Mundo Sem Humanos

Este livro — "The Inevitable: Understanding the 12 Technological Forces That Will Shape Our Future" (2016) — tem sido vendido como tecnológico-otimista, mas devia antes ser catalogado como tecnológico-ridículo. Seis anos depois de ter publicado um dos livros mais interessantes sobre tecnologia, "What Technology Wants" (2010), Kelly conseguiu inverter totalmente o pólo para nos oferecer um mero remendo de textos de blog, feito de múltiplas divagações inconsequentes, distorções da realidade e ainda múltiplos erros. Isto não é ingenuidade, como alguns apontaram, isto é puro desleixo e acima de tudo alheamento do mundo, tanto da sua parte como de quem editou o livro.


A melhor forma de perceber a razão da minha crítica dura é ler este excerto abaixo, retirado do capítulo 5, "Accessing":
I live in a complex. Like a lot of my friends, I choose to live in the complex because of the round-the-clock services I can get. The box in my apartment is refreshed four times a day. That means I can leave my refreshables (like clothes) there and have them replenished in a few hours. The complex also has its own Node where hourly packages come in via drones, robo vans, and robo bikes from the local processing center. I tell my device what I need and then it’s in my box (at home or at work) within two hours, often sooner. The Node in the lobby also has an awesome 3-D printing fab that can print just about anything in metal, composite, and tissue. There’s also a pretty good storage room full of appliances and tools. The other day I wanted a turkey fryer; there was one in my box from the Node’s library in a hour. Of course, I don’t need to clean it after I’m done; it just goes back into the box. When my friend was visiting, he decided he wanted to cut his own hair. There were hair clippers in the box in 30 minutes. I also subscribe to a camping gear outfit. Camping gear improves so fast each year, and I use it for only a few weeks or weekends, that I much prefer to get the latest, best, pristine gear in my box. Cameras and computers are the same way. They go obsolete so fast, I prefer to subscribe to the latest, greatest ones. Like a lot of my friends, I subscribe to most of my clothes too. It’s a good deal. I can wear something different each day of the year if I want, and I just toss the clothes into the box at the end of the day. They are cleaned and redistributed, and often altered a “bit to keep people guessing. They even have a great selection of vintage T-shirts that most other companies don’t have. The few special smartshirts I own are chipped-tagged so they come back to me the next day cleaned and pressed.
I subscribe to several food lines. I get fresh produce directly from a farmer nearby, and a line of hot ready-to-eat meals at the door. The Node knows my schedule, my location on my commute, my preferences, so it’s really accurate in timing the delivery. When I want to cook myself, I can get any ingredient or special dish I need. My complex has an arrangement so all the ongoing food and cleaning replenishables appear a day before they are needed in the refrig or cupboard. If I was flush with cash, I’d rent a premium flat, but I got a great deal on my place in the complex because they rent it out anytime I am not there. It’s fine with me since when I return it’s cleaner than I leave it.”
“I have never owned any music, movies, games, books, art, or realie worlds. I just subscribe to Universal Stuff. The arty pictures on my wall keep changing so I don’t take them for granted. I use a special online service that prepares my walls from my collection on Pinterest. My parents subscribe to a museum service that lends them actual historical works of art in rotation, but that is out of my range. These days I am trying out 3-D sculptures that reconfigure themselves each month so you keep noticing them. Even the toys I had as a kid growing up were from Universal. My mom used to say, “You only play with them for a few months—why own them?” So every couple of months they would go into the box and new toys would show up.
Universal is so smart I usually don’t have to wait more than 30 seconds for my ride, even during surges. The car just appears because it knows my schedule and can deduce my plans from my texts, calendar, and calls. I’m trying to save money, so sometimes I’ll double or triple up with others on the way to work. There is plenty of bandwidth so we can all screen. For exercise, I subscribe to several gyms and a bicycle service. I get an up-to-date bike, tuned and cleaned and ready at my departure point. For long-haul travel I like these new personal hover drones. They are hard to get when you need them right now since they are so new, but so much more convenient than commercial jets. As long as I travel to complexes in other cities that have reciprocal services, I don’t need to pack very much since I can get everything—the same things I normally use—from the local Nodes.
My father sometimes asks me if I feel untethered and irresponsible not owning anything. I tell him I feel the opposite: I feel a deep connection to the primeval. I feel like an ancient hunter-gatherer who owns nothing as he wends his way through the complexities of nature, conjuring up a tool just in time for its use and then leaving it behind as he moves on. It is the farmer who needs a barn for his accumulation. The digital native is free to race ahead and explore the unknown. Accessing rather than owning keeps me agile and fresh, ready for whatever is next.
O que acabaram de ler podia bem ser um sonho de Lenine numa noite de 1916, em que veria o futuro em 2116 da sociedade soviética otimizada pela força do trabalho comum, partilhado, suportado pelo poder da tecnologia na produção do bem supremo para todos. O problema aqui não é o Comunismo, é o passar por cima de todos os problemas desse regime, mantendo apenas o lado da teoria e do sonho. Tudo o resto, que tem que ver com aquilo que faz de nós seres humanos, auto-motivados e autónomos, é totalmente ignorado, como foi ignorado durante 70 anos na URSS, e continua a ser ignorado na China.

O que isto põe a nu, é aquilo que estamos cansados de saber, que muitas das pessoas que gravitam no domínio da tecnologia, têm a sua bússola apenas focada na invenção tecnológica, nas possibilidades e impossibilidades da matéria, e ignoram totalmente o humano. Não compreendem que a tecnologia, por muito que afete os humanos, não passa de ferramenta e extensão daquilo que intrinsecamente somos. Que a tecnologia per se não altera, em nada, isso que somos. Que a invenção do Nuclear tanto serviu para providenciar vidas melhores a milhões de humanos, por via das centrais de produção elétrica, como serviu para tirar vidas as milhões de humanos em parcos segundos. Que o machado é fantástico para cortar lenha e providenciar calor, mas é brutalmente ainda mais eficaz no abrir da cabeça uns aos outros.

Isto para não falar do ridículo que é lançar uma prospeção destas sem fundamentar de onde adviria o contributo do sujeito, já que nesta extensa divagação este não produz nada, limita-se a consumir o que dezenas de pessoas continuam a produzir. Ou seja, no limite isto nem sequer se trataria de uma utopia comunista, mas talvez melhor dizer uma utopia monárquica. Ou seja, não há limites para quem se limita a pensar do alto do seu bem-estar o que pode vir a conseguir ainda de melhor para si, quanto ao resto da sociedade, logo se vê. Aliás, repare-se no tamanho ridículo da afirmação feita um pouco à frente:
“The more we benefit from such collaboration, the more open we become to socialized institutions in government. The coercive, soul-smashing system that controls North Korea is dead (outside of North Korea)”
Eu sei que ele escreveu isto antes de Trump ser eleito, mas era preciso Brexit e Trump para compreender aquilo que os negacionistas do Holocausto não param de fazer há décadas? Mas depois é ver como Kelly tanto aponta para a direita como para esquerda, sem saber ao que vem nem vai, veja-se as contradições:
“The increasingly common habit of sharing what you’re thinking (Twitter), what you’re reading (StumbleUpon), your finances (Motley Fool Caps), your everything (Facebook) is becoming a foundation of our culture. Doing it while collaboratively building encyclopedias, news agencies, video archives, and software in groups that span continents, with people you don’t know and whose class is irrelevant—that makes political socialism seem like the logical next step.”
E logo a seguir:
“Instead of a government monopoly distributing mail, let market players like DHL, FedEx, and UPS try it as well. In many cases, a modified market solution worked significantly better. Much of the prosperity in recent decades was gained by unleashing market forces on social problems.”
Repare-se ainda no seguinte:
“is neither the classic communism of centralized planning without private property nor the undiluted selfish chaos of a free market. Instead, it is an emerging design space in which decentralized public coordination can solve problems and create things that neither pure communism nor pure capitalism can.”
Algumas páginas depois
“The shift from hierarchy to networks, from centralized heads to decentralized webs, where sharing is the default, has been the major cultural story of the last three decades”
Confrontando numas páginas mais à frente:
“If one looks hard and honestly, even the supposed paragon of user-generated content—Wikipedia itself—is far from pure bottom-up. In fact, Wikipedia’s open-to-anyone process contains an elite in the back room. The more articles someone edits, the more likely their edits will endure and not be undone, which means that over time veteran editors find it easier to make edits that stick, which means that the process favors those few editors who devote lots of time over many years (..) “These persistent old hands act as a type of management, supplying a thin layer of editorial judgment and continuity to this open ad-hocracy. In fact, this relatively small group of self-appointed editors is why Wikipedia continues to work and grow into its third decade.”
Kelly diz-nos então que nem o capitalismo nem o comunismo são bons, e depois apresenta-nos uma suposta terceira-via, a mistura ambas, mas que no final nos dá o mesmo do regime da URSS, que não era Comunismo, porque o comunismo real só existe em teoria, quando levado à prática transforma-se em algo diferente. Para manter todos a colaborar e a partilhar aceita-se a necessidade de estruturas hierárquicas que impõem a missão e a regulação segundo os seus próprios ideais. Veja-se a recente promoção de Xi Jinping a líder da China vitalício. O coletivo é ótimo e a hierarquia é necessária, desde que sejamos nós a controlar o topo! É muito pobre, mero deslumbramento com as possibilidades do coletivo, que já tantas vezes destruiu comunidades, sociedades e nações inteiras.


Noutro registo completamente diferente, Kelly apresenta-se como um verdadeiro seguidor da sociedade das métricas e quantificações. Ao longo de todo o livro, são continuamente contabilizadas as horas, os minutos, as produções, as partilhas, os comentários, dos milhões e milhões de utilizadores. Tudo isso serve para lançar supostas teorias sobre o futuro, o problema é que para se conseguirem ler corretamente esses números, não bastam os números, é preciso conhecer o humano, como ele funciona e se comporta, e isso está sempre ausente em toda esta discussão.
“Every 12 months we produce 8 million new songs, 2 million new books, 16,000 new films, 30 billion blog posts, 182 billion tweets, 400,000 new products. (..)  
It is 10 times easier today to make a simple video than 10 years ago. It is a hundred times easier to create a small mechanical part and make it real than a century ago. It is a thousand times easier today to write and publish a book than a thousand years ago. (..)
if you track the number of songs being written every year, there are millions and millions. We’re on a curve where basically everybody in the world will have written a book or a song or made a video, on average (..)  
YouTube videos are viewed more than 12 billion times in a single month. The most viewed videos have been watched several billion times each, more than any blockbuster movie. More than 100 million short video clips with very small audiences are shared to the net every day. Judged merely by volume and the amount of attention the videos collectively garner, these clips are now the center of our culture.”
Não entrando sequer naquele "todo o mundo", que deixa fora uma gigantesca divisão digital, eu pergunto, no caso do texto, como relacionar os triliões de carácteres escritos por milhões de nós no Facebook, Twitter ou Instagram com a meia-dúzia de livros que permanecem para a posteridade em cada ano? Em que que é que diferem as câmaras e computadores para filmar e montar um filme e colocá-lo na nuvem, e as canetas ou computadores para escrever, dos filmes e livros que valem a pena manter vivos na nossa memória? Não é com certeza a tecnologia, essa é irrelevante, não será antes a capacidade de cada humano de criar usando essas ferramentas, dependente do talento e de anos e anos de investimento e esforço na aprendizagem da literacia da arte? Mas isso é irrelevante para alguém que pouco à frente, quando fala em literacia é apenas para definir técnicas de citação, de cortar e copiar, e acaba com esta brilhante frase:
“These tools, more than just reading, are the foundations of literacy.” 
Toda a forma como vai falando sobre política, comunicação, media, atrevendo-se até a falar de identidade, é atroz pela simples razão de que consegue apenas ver um lado da equação, o da tecnologia, esquecendo que para que a tecnologia funcione são precisos humanos que a adoptem. Mas isto é algo enraizado, veja-se a discussão sobre o futuro da Realidade Virtual, dá pena ver como tendo Kelly estado lá, na génese em 1989, passados 30 anos pouco aprendeu sobre a mesma, ou melhor, sobre os humanos que supostamente a deveriam usar. Porque se a tecnologia é teoricamente fantástica, o tempo e o uso mostrou que os humanos não estão interessados nela porque existem uma quantidade de barreiras psicológicas ao seu uso. No entanto gasta páginas e páginas a discutir o que a VR nos vai trazer, fala do hipertexto e hipermedia como se estivessem para chegar, parecendo amiúde estar a escrever em 1995. Talvez isto não seja propriamente alheio à vida pessoal de Kelly, alguém que passa o tempo a teorizar sobre o futuro tecnológico, mas depois se regozija por não usar nenhuma dessas tecnologias. Diz-nos que o seu trabalho é experimentar doses mínimas para contar aos outros, como se meras horas de contacto fossem representantes do uso real. No caso dos videojogos que nos traz (ex. Red Dead Redemption 2) nem sequer os experimenta, simplesmente vê os outros a jogar. Dá para rir, se não tiverem pago pelo livro.

Por outro lado, Kelly apresenta um problema clássico, a falta de estudo e análise do trabalho feito por tantos outros antes de si. Não que ele não cite outros, mas a grande maioria não vai além de sites, notícias e wikis. Veja-se o exemplo: ao longo do livro Kelly continuamente afirma o mundo como "líquido", uma característica que fundamenta na tecnologia de digitalização e gestão do produto dessa, do como tudo isso altera o nosso bem-estar. Contudo, não existe uma única referência a Zygmunt Bauman, o criador do conceito "modernidade líquida". Não sei se por desconhecimento, por incompreensão ou simplesmente por vontade de omissão, mas se tivesse parado para confrontar a sua tecnologia líquida com o humano líquido de Bauman, Kelly teria compreendido muitos dos erros que cometeu ao longo de todo este livro.

O mesmo pode ser dito da total alucinação que acontece quando chegamos ao capítulo 10, "Tracking", em que Kelly escreve o seguinte:
Ubiquitous surveillance is inevitable. Since we cannot stop the system from tracking, we can only make the relationships more symmetrical.”
Não bastava a barbaridade de afirmar que a vigilância total é inevitável, como vai mais longe, e propõe como modo de combater os seus problemas, que todos saibamos o mesmo uns sobre os outros, incluindo empresas e estados. Vamos esquecer a encriptação porque as passwords não protegem nada, e vamos ser todos transparentes. Isto é tão insano que nem sei por onde começar, porque isto representa um enorme potencial de problemas para a identidade humana. Se eliminarmos os redutos em que a identidade pode crescer e florescer na sua privacidade individual, teremos apenas um amontoado de massa homogénea, que como sabemos tenderá para a frustração. Mas isto nem sequer é o maior problema, o que poderiam fazer aqueles que nos querem mal tendo acesso a todo esse conhecimento, não apenas nós indivíduos, mas a empresas e a estados? Kelly sente-se muito orgulhoso por defender Snowden e depois baseia quase todas as suas conclusões no bom funcionamento da impossibilidade de anonimato no Facebook, como se isso fosse uma panaceia para tudo. Como se as empresas em vez de competir entre elas colaborassem e fossem amigas, dispostas a perder umas para outras, mesmo que isso implicasse perder acionistas ou ter de despedir trabalhadores. Como se as pessoas se sentissem felizes por ver os outros, na mesma condição que eles, a ganhar mais porque são primos ou enteados. No fundo, como se o mundo fosse um mero sistema computacional, e as regras societais apenas algoritmos, bastando aperfeiçoar os algoritmos e tornar o código aberto, para eliminar todos os bugs, todos os problemas.

novembro 22, 2016

"False Alarm", em primeira-pessoa

Ilya Naishuller voltou aos assaltos e à primeira-pessoa, vulgo câmara subjetiva ou POV. Os meios de produção são muito superiores aos de "Insane Office Escape 2" de 2013, ainda assim julgo que me impressionou mais nessa altura, talvez por ser novidade, ou então por se basear mais no parkour, enquanto aqui temos uma câmara que viaja mais sobre rodas, ganhando menos em dinâmica visual.




Não há muito para dizer sobre o filme, que é também teledisco. Usa o recurso à câmara subjetiva para intensificar a ação, nomeadamente levar o espetador mais próximo do horror, e assim provocar visceralmente. Tal como o anterior, é imensamente violento, moral e graficamente. A primeira-pessoa funciona muito bem, porque em ambos os casos são experiências curtas, de 4 minutos, e a história que se conta é baseada na sucessão de eventos, os personagens limitam-se a seguir o que se lhes apresenta. Ainda assim, Naishuller consegue inserir, de forma bastante ligeira, uma pontinha de romance pelo meio, mas de forma bastante hábil.

O filme anterior, com mais de 3 anos de presença na rede tem 36 milhões de visualizações, enquanto este em apenas 1 mês, já leva 46 milhões. O facto de o realizador ser conhecido, ajuda, nomeadamente porque muitos sites e blogs da área têm falado bastante do mesmo. Por outro lado, talvez a banda seja suficientemente conhecida para também aportar os seus fãs ao filme.

"False Alarm" (2016) de Ilya Naishuller

Verifiquei entretanto que Naishuller criou em 2015 uma longa-metragem, "Hardcore Henry", pelo que leio quase toda também em POV. Procurar ver, e assim que conseguir, deixarei aqui mais algumas notas.

março 31, 2014

“The Congress” (2013)

Depois da animação autobiográfica, “Waltz with Bashir” (2008), Ari Folman resolveu adaptar o livro “The Futurological Congress” (1971) de Stanislaw Lem, atualizando o registo de Lem, mais assente sobre os encantos das drogas alucinógenas para os encantos contemporâneos com a realidade virtual. Assim Folman acaba por conceber, a partir do repescar e misturar de ideias, uma das histórias de FC mais interessantes dos últimos anos.




The Congress” trabalha a ideia do avanço das tecnologias de realidade virtual que se vão apoderando da paisagem mediática, começando por substituir atores de forma a facilitar e acelerar a produção de conteúdos para serem experienciados no ecrã. Mais tarde o ecrã acaba por desaparecer, e esses conteúdos que continuam a ser criados, passam a ser experienciados através da inalação de moléculas que permitem às pessoas imaginar a realidade desse "filme", contando agora com interacção e participação.

Não sendo algo inteiramente novo, já tínhamos visto isto em “Dark City” (1998), uma espécie de evolução da ideia por detrás do “Brave New World” (1932) de Aldous Huxley, mas foi a primeira vez que vi a ligação directa com a produção de conteúdos para RV. E foi aí que se fez luz, foi aí que percebi que o futuro das narrativas interactivas, não passará pelos ambientes digitais do Holodeck, mas antes pela criação directa dos ambientes de interacção no cérebro das pessoas. A diferença em termos de produção serão enormes, já que produzir um Holodeck implicaria criar todos os átomos que atribuem fisicalidade à recriação, ao passo que uma droga alucinógena controlável, permite recriar no imaginário de cada um de nós todo e qualquer mundo sem necessidades físicas, apenas estimulando as ideias e o prazer. Não estou a dizer que esta abordagem está ali ao virar da esquina, mas acredito que é muito mais plausível, nomeadamente com todo o desenvolvimento das neurociências, das nanotecnologias e nanobots.


Relativamente ao filme e às suas ideias, existem imensas questões que são atiradas para o caldeirão filosófico do tema da ilusão da realidade, algo caro à Ficção Científica também, e que nos faz questionar sobre a essência daquilo que somos. A meio do desenrolar da evolução, acabamos por entrar pelo cerne da questão adentro, quando as pessoas passam a poder optar por continuar a viver na realidade, ou ficar para sempre no mundo da ilusão. A discussão nunca deixa de se relacionar com a arte cinematográfica, e isso está intimamente ligado ao modo como o próprio realizador concebe a ideia de cinema,
I think that we live in parallel universe, I hope it doesn’t sound too New Age-y, but no, I mean, we meet, we talk, but then our minds they go wherever they want to go. And I think a great movie, for me, the goal of filmmaking is to combine the conscious and subconscious and to make it into one. That once you go into the film, you just, you free your mind and for once, you go with what you see and you’re not complexed, you know? You’re not split anymore.
You’re in the journey. Your mind, it says, “OK, please, please give me rest, take me on that ride.” Your brain is completely disconnected from time, and the only time you see that exists is the time of the movie. This is it.
” [Fonte]
Folman realiza esta discussão de forma brilhante ao misturar a realidade filmada com a ilusão em animação 2d. E se o trabalho em imagem real é interessante, todo o universo animado é adorável, no sentido em que desenvolve toda uma estética muito colorida e florida, talvez em jeito de homenagem aos movimentos LSD, mas com um registo aqui muito mais harmonioso, diria mesmo até mais optimista. Aliás, ao contrário de “Dark City” aqui a ilusão não é apresentada como um efeito totalmente negativo, mas antes serve para potenciar os sonhos de cada um, dar total liberdade ao imaginário, por momentos a fazer lembrar o além de "What Dreams May Come" (1998). Mesmo a realidade que fica para trás, apesar de entrar num processo de decadência, já que as pessoas a vão abandonado, nunca é apresentada com o tom negro e distópico como é apresentada por exemplo em “The Matrix” (1999).

novembro 14, 2012

A Invenção de Morel

A Invenção de Morel (1940) é um livro com mais de 70 anos, mas que é hoje, num mundo cada vez mais hiper-realista (seguindo Baudrillard), mais atual e relevante que nunca. A sua premissa nasceu muito provavelmente do contexto vivido face à forte sedução que o cinema causava nas pessoas na primeira metade do século passado. Hoje esta sedução reduziu-se, existem muitas outras atracções, criámos ambientes de realidade virtual, desenhámos videojogos 3d com interactividade e feedback constante, o cinema tornou-se em apenas uma das muitas janelas que temos à disposição para olhar para lá da suposta realidade.


Adolfo Bioy Casares foi um escritor argentino que conheceu o sucesso com esta novela de fantástico. Nesta edição podemos ler um prólogo de alguém que não nos surpreende tendo em conta a temática do livro, Jorge Luis Borges, por sinal também Argentino. Pelo que percebi entretanto Bioy e Borges ainda escreveram vários contos e guiões para filmes juntos. Borges não é comedido no seu prólogo e fecha o texto afirmando simplesmente, 
Discuti com o seu autor os pormenores do enredo e reli-o; não me parece uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo como perfeito.” 
Concordo, mas é complicado explicar porquê. O livro é pequeno, cerca de 100 páginas, mas não é por isso que é difícil falar dele, é que o conceito central da sua história é a chave de todo o conto. Tentar discutir o livro, sem falar do núcleo da narrativa não faz o menor sentido. Podemos contudo discutir que o seio da história trabalha sob o desígnio da realidade e do valor da imagem enquanto representação. Além disso o narrador fala através de um diário, como se estivesse a falar diretamente connosco, interrogando-se por vezes no mesmo sentido em que nos interroga a nós leitores. Um exemplo fantástico desta construção narrativa, pode ser visto neste trecho,
“Contarei fielmente os factos que presenciei entre a tarde de ontem e a manhã de hoje, factos inverosímeis, que a realidade não terá podido produzir sem trabalho... Agora a verdadeira situação parece não ser a descrita nas páginas anteriores; a situação que vivo não é a que julgo viver.”
L'Année dernière à Marienbad (1961) 

Noto ainda que a conceptualização intertextual que levou Thomas Beltzer a dizer que Alain Resnais se teria baseado em Invenção de Morel para criar L'Année dernière à Marienbad (1961) me parece imensamente acertada. Aliás essa ligação entre as duas obras levou-me assim de repente a compreender Marienbad sob toda uma nova luz, permitindo que o filme tivesse ganho dentro das minhas memórias novas camadas de leitura, mais intensas e relevantes. 

Sawyer lendo A Invenção de Morel em Lost, s04.e04

Uma outra obra recente em que Morel aparece é exatamente a série Lost. Sawyer aparece no quarto episódio da quarta temporada a ler uma edição americana do livro. E aqui é ainda mais forte a colagem do que em Marienbad. Aqui temos uma ilha, e acontecimentos e visitantes estranhos, tal como na ilha de Morel. Lost pode também ser visto de uma forma completamente nova depois de ler este pequeno livro.

outubro 11, 2012

ARART, Arte via AR

Não é nada de novo, mas de tão bem feito que está, parece. ARART é uma aplicação de realidade aumentada desenvolvida por três artistas japoneses Kei Shiratori, Takeshi Mukai e Younghyo Bak que procura injectar vida em obras de arte, tendo-se apresentado para já com com um leque de quadros famosos como Mona Lisa de Leonardo da Vinci, Rapariga com Brinco de Pérola de Johannes Vermeer, A Grande Onda de Katsushika Hokusai, ou os Doze Girassóis numa Jarra de  Van Gogh.


Porque é que ARART é importante? Porque pela primeira vez podemos ver AR a ser utilizada com robustez suficiente para acreditar que será possível seguir por este caminho. Apontar o iPhone/iPad para a tela seja numa revista ou no ecrã do computador e ter um reconhecimento imediato da obra, não se perdendo a animação ao mais leve movimento é muito importante. Além disso tecnicamente foi inserida ainda uma camada de interactividade, no caso da música. Podemos interagir com os discos de vinyl ou CDs, parar, rodar, por a tocar.


Porque é para mim importante? Porque o resultado é francamente refrescante e enriquecedor. Ou seja, os criadores não procuraram ir pelo lado tradicional de adicionar novas camadas de informação aos objectos, limitaram-se a brincar, a jogar com a matéria que está a nossa frente. Nesse sentido limitaram-se a gerar pequenas animações, dentro do género que nos temos vindo habituar no quadro dos novos gif's animados. Mas é na introdução dessa camada de animação ligeira, subtil e que se repete, que está o ganho em termos estéticos para a aplicação e para a obra. Sentimos que nos aproximamos mais da obra, sem contudo romper o seu mistério, o seu valor. Sentimos que de certo modo nos foi dado acesso a um pouco mais, como se pudéssemos espreitar através de um buraco de uma fechadura que esteve fechado por muitos anos.

Parte da animação que se pode ver no iPhone/iPad, aqui em gif animado

É a magia do movimento da imagem, a magia da animação que se reflecte numa espécie de novo fulgor, nova vida para estas obras. Mas claramente que é também a beleza da execução do trabalho em AR. Porque sem a perfeição da animação que aqui temos, toda a experiência se poderia ter gorado. Vendo isto torna-se inevitável pensar que os museus irão deixar de ser o que são. Que os museus do futuro terão muito mais para nos oferecer em termos de experiência. Também tem o potencial de ajudar os livros de papel a sobreviver mais algum tempo, mas nesse caso acredito que mais cedo ou mais tarde será o próprio livro a migrar para o formato digital.

A Grande Onda de de Kanagawa (1829-32) de Katsushika Hokusai

Gostei particularmente de Rapariga com Brinco de Pérola porque a animação está totalmente enquadrada no espírito do quadro, assim como gostei de A Grande Onda de Katsushika Hokusai pelo modo como me surpreendeu. Vale a pena experimentar, até porque a App é grátis.

Filme promocional da aplicação

janeiro 17, 2012

Dead End Thrills, a fotografia do virtual

Duncan Harris é inglês e foi editor da EDGE entre 2005 e 2008 depois disso tornou-se jornalista de videojogos em freelance. Tem uma licenciatura em Guionismo para Cinema e Televisão e um mestrado em Engenharia de Software. Este é o background que explica em parte a excelência e o sucesso the Dead End Thrills.

"I suppose it's like being handed a postcard of a place you've never seen photographed. If the only concept of a place you have is the view from the ground - from your own eyes - seeing it with those constraints removed can be pretty mindblowing" Duncan Harris
Dead End Thrills é o site onde Duncan Harris publica o seu trabalho como fotógrafo, não de vida selvagem ou desporto, mas de mundos e personagens que "vivem" dentro dos videojogos, ou seja, de mundos virtuais. À partida não parece nada de especial, até porque já temos a Fotografia Promocional que é feita pelos estúdios, temos todo o mundo do Machinima, e até um protótipo de um jogo baseado na simulação do foto-jornalismo de guerra, Warco. Aliás existe mesmo outro fotógrafo que dedicou algum tempo a esta ideia de fotografar dentro dos videojogos, o Kent Sheely, que o nosso P3 muito bem entrevistou.




Apesar de já existir tudo isto Duncan Harris é diferente. A fotografia promocional é feita numa base meramente publicitária, e com pouco investimento na recolha de imagens. O machinima está mais preocupado com o movimento, do que com o enquadramento. Warco é um jogo, em que em vez de atirarmos balas, tiramos fotografias. Finalmente Kent Sheely que é um precursor na arte, acabou por deixar para trás esta sua experiência, além de que estava totalmente focado na fotografia em multiplayers em tempo-real.




Duncan Harris, também fotografa em tempo real, mas o seu melhor trabalho não é feito em tempo real. A sua formação em engenharia, permite-lhe entrar dentro dos jogos, fazendo uso de várias ferramentas de software, para eliminar tudo o que não lhe interessa como os HUDs, as personagens jogáveis e não jogáveis, tomar conta das câmaras do jogo para poder obter os melhores ângulos e os melhores momentos para capturar com a iluminação pretendida.




Duncan refere que o que lhe tem dado mais trabalho tem sido a renderização em profundidade dos jogos mais recentes que possuem uma enorme quantidade de detalhe que fica escondida por razões de processamento durante a jogabilidade regular. Chega a dizer que já queimou várias placas gráficas para levar ao limite a qualidade que pode extrair dos jogos, correndo em resoluções de 2160p que não são propriamente testadas pelos fabricantes. Daí que tenha conseguido mesmo um acordo com a NVidia testar e utilizar as suas placas gráficas. Para saber mais sobre as tools e as configurações, podem visitar o site, ver em cada fotografia, ou na FAQ.




Claro que não chegaria ter conhecimentos de engenharia de software para fazer o que faz, a sua formação em arte, e a sua sensibilidade, são a chave de tudo aquilo que atrai os nossos olhos. Duncan diz-nos que não faz fotografia, prefere chamar-lhe "videogame tourism" ou até "videogame pornographer". Como nos diz, no seu trabalho procura manter as imagens obtidas praticamente inalteradas face àquilo que foi criado pelos artistas. Para tal realiza trabalho em profundidade para capturar ângulos e perspectivas do que de melhor encontra nos jogos, como diz,
"Where things get fun is when you start tapping into what makes photography so interesting, like how you can create or embellish the narrative of a scene. What I want to do in Skyrim, for example, is stand on top of the tallest mountain in the driving snow, an epic vista in the background, going one-on-one with a dragon, fending off its fiery breath with one hand. "

Mas como ele diz, isto não é normalmente visível desta forma dentro do jogo, porque no momento em que este plano acontece, estamos a lutar pela sobrevivência, a levar com as chamas na cara, ou quase a cair por um precipício abaixo, o que impede o jogador de gozar o momento. E é por isto mesmo, que acredito que a "fotografia dentro do jogo", ganha toda uma nova e interessantíssima relevância.

Para além do blog podem ver mais imagens de cada set no Flickr.

janeiro 23, 2011

III Jornadas da AIM - Cinema Virtual

Decorrem a 28 Janeiro 2011 as III Jornadas da AIM - Associação de Investigadores da Imagem em Movimento, no Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro. Estarei presente para apresentar uma comunicação, sobre as tecnologias no cinema do século XXI, denominada Cinema Virtual.

O cinema como arte tecnológica, passou de fundações químicas a fundações matemáticas, converteu-se de digital em virtual, e por sua vez, em inteligente aproximando-se fortemente dos ambientes do ciberespaço assim como dos ambientes de representação da realidade virtual (RV). Nesta comunicação vamos apresentar os vários níveis tecnológicos que separam o cinema da realidade virtual e identificar os principais vectores desta convergência já consumados tendo como base de análise as séries The Matrix (1999 - 2003) e The Lord of the Rings (2001-2003) de um lado e as técnicas da RV (scanner 3d, relighting e agentes autónomos) do outro.

janeiro 19, 2011

Tron (1982) na RTPN

Na semana passada fui entrevistado pelo Mário Augusto no programa Cinemax da RTPN a propósito do filme Tron (1982). Como Tron: Legacy (2010) estreou em Portugal nessa semana, o Mário Augusto quis trazer à televisão as memórias do filme original de há 28 anos.
O convite foi feito mais pela minha ligação aos videojogos do que ao mundo do cinema. No entanto o que é verdadeiramente importante em Tron é a Computação Gráfica e nesse sentido ela faz parte das duas artes: cinema e videojogos. Não é possível analisar Tron sem analisar ambos os mundos artísticos e tecnológicos.


Tendo em conta que a entrevista é bastante curta e fica muito por dizer resolvi retirar um excerto do meu livro Emoções Interactivas - do Cinema para os Videojogos (2009), a parte em que analiso Tron, e colocá-lo aqui para que possam perceber em maior profundidade o que é está por detrás da obra original.



A entrevista pode ser vista no sítio da RTP. Não consegui extrair o vídeo um vez que as emissões online agora estão num formato stream. A única forma seria fazer screen capture, mas não tenho nenhum software instalado de momento. Se alguém tiver paciência para o fazer, agradeço que me faça chegar.

janeiro 16, 2011

Muse: Concerto visto como Realidade Virtual

Muse, ao vivo em Wembley, Setembro 2010

São os concertos de música a tornar-se cada vez mais num palco de exploração tecnológica. Já não são apenas os videojogos ou os parques temáticos a obrigar ao desenvolvimento de novas tecnologias.
Panorama do Forum Romano por Marc Levoy

Descubro hoje algo que ainda não tinha visto e nem sabia que era possível fazer, uma espécie de Panorama VR mas com Vídeo. É bem conhecido de há mais de uma década as técnicas para criar a navegação em imagem estática. Ou seja tiramos fotografias a partir de um local fixo de modo a preencher uma cúpula ou meia esfera e depois juntamos tudo numa única imagem criando a sessão de que estamos ali e podemos olhar em qualquer direcção, apenas não podemos sair do lugar.
Ora o que aqui temos é uma evolução dessa tecnologia, com a imagem estática a dar lugar ao vídeo. Isto aplicado no âmbito de um concerto rock ao vivo com a música a correr sobre a dimensão do tempo gera uma envolvência nunca antes vista de um concerto gravado. Cria em nós uma sensação virtual de espaço e tempo-real, como se estivéssemos lá.
Mas isto não se fica por aqui, é que vai mais além, e não são os 7 pontos de possibilidade de realizar a visualização que é de si também impressionante, é o que acontece com uma delas que está no meio do público. Não por estar no meio do público, mas por ser uma câmara em movimento e ao ombro e sobre a qual continua a ser possível "viajar".
Julgo que como prenda dos Muse para os seus fãs neste Natal de 2010, não podia ter sido melhor. É verdadeiramente algo impressionante do ponto de vista tecnológico e artístico.

Clique na imagem para aceder ao site e experienciar a viagem VR.

Muse Live at Wembley in 360º

janeiro 27, 2010

A mais completa Ilusão Virtual



The Third & The Seventh de Alex Roman é um assombro e reponde por inteiro ao título deste blog.
Estou verdadeiramente estupefacto e quem quer que trabalhe na área estará também. O nivel de CGI apresentado neste filme por Alex Roman é algo impressionante, mesmo quando comparado com grandes produções de hollywood. Para além da qualidade foi intereiramente criado por UMA pessoa apenas.
Até hoje sempre fui capaz de detectar quando é 3d e quando é real. Neste filme sabendo que tudo é CGI, exceptuando "photographer (shot on greenscreen), pigeons, timelapsed growing flowers, flying airplane and sky backgrounds", e mesmo vendo em HD em 40' não consegui detectar nos primeiros visionamentos falhas. Só na segunda parte começamos a ser obrigados a acreditar que se trata de 3d, porque certas coisas seriam impossíveis no mundo real tais como as bolas de água suspensas.
Agora de um ponto de vista estético o que me deixou verdadeiramente impressionado foi a colagem à linguagem fílmica em película, o uso intenso da profundidade de campo, o brincar com o ponto focal e expressivo, com o tremido da película, enfim dá-lhe toda uma naturalidade e beleza visual que nos deixa extasiados. Depois a obra prima recai sobre a luz que gera todo este banho de realismo.
Quanto à música adequa-se, mas tenho pena que Roman tenho procedido a uma escolha tão fácil. O trecho na segunda parte é do Nyman mas feito para a banda sonora do filme Gattaca (1997) de Andrew Niccol. Que é por sinal um filme futurista no qual a arquitectura apresentada segue exactamente nesta linha. E nesse sentido também ficam aqui os arquitectos que serviram de inspiração a Roman: Louis Kahn, Tadao Ando, Daniel Rowen.
Mais informação sobre o trabalho e o próprio Alex Roman pode ser conseguida numa entrevista dada ao Motionographer e alguns comentários deixados pelo próprio na CGSociety. Mas para já vejam o filme. São 12 minutos, a ver em HD, ecrã completo, e com bom som.



Tenho de agradecer ao Martinho por ter insistido para eu ver o filme. Como tem 12 minutos acabei por o relegar para segundo plano e quase que ia deixando passar uma das pérolas mais belas do 3d dos últimos tempos.

UPDATE 25.02.2010: Vi agora o making of "Compositing Breakdown (T&S)" e fiquei ainda mais assombrado. É uma obra realmente poderosa, vale a pena rever todo o filme depois de ver a decomposição digital de tudo o que aqui está.


outubro 12, 2009

Avatar, conteúdo e Fx

Porquê Avatar?
"Jake Sully is a former Marine who was wounded and paralyzed from the waist down in combat on Earth...
Pandora a lush jungle-covered extraterrestrial moon filled with incredible life forms, some beautiful, many terrifying. Pandora is also home to the Na’vi, a sentient humanoid race, who are considered primitive, yet are more physically capable than humans...
Since humans are unable to breathe the air on Pandora, they have created genetically-bred human-Na’vi hybrids known as Avatars. On Pandora, through his Avatar body, Jake can be whole once again."
Ou seja, o filme retrata os anseios de muitos dos seguidores de Descartes e das suas Meditações Metafísicas, na tentativa de separação da mente do corpo e na possibilidade de injecção da mente em outro corpo. Avatar é o sonho tornado realidade. Uma perspectiva da filosofia da consciência com frutos recentes no cinema em filmes como Ghost in the Shell (1995), Dark City (1998), Matrix (1999), Existenz (1999) ou The Thirteenth Floor (1999).

Do lado dos Fx, Cameron não se poupou a investir na produção das mais avançadas tecnologias para concretizar o seu sonho. Em Avatar é utilizado um sistema de Camara Virtual que permite durante a rodagem com os actores, ver em tempo real as suas performances já incrustadas nos cenários CGI, ajustando as cenas, os actores e a câmara em função dos seus objectivos.
"It’s like a big, powerful game engine. If I want to fly through space, or change my perspective, I can. I can turn the whole scene into a living miniature and go through it on a 50 to 1 scale. It’s pretty exciting." Cameron no NYT
Ou seja Cameron detém um controlo sobre a cena CGI que lhe permite ali em plena rodagem dirigir a câmara virtual e ajustar toda a cena preparando-a para alterações que decorram no set real.
“ This film is a true hybrid — a full live-action shoot, with CG characters in CG and live environments.” Cameron no NYT



Em estreia a 18 de Dezembro 2009

dezembro 07, 2008

criando mundos


SL a place where you can build things (Philip Rosedale, 2008)

Philip Rosedale é o fundador de Second Life (SL), um mundo virtual 3d com milhões de habitantes, feito de milhões de mundos e simulações. É também presidente da Linden Labs, a companhia por detrás de SL. Philip Rosedale fez uma comunicação, na The Art Center Design Conference 2008 inteiramente dedicada ao Serious Play, integrada na track "Playing well with Other". Essa comunicação realizada em Maio pode agora ser vista numa das sessões específicas da TED, a TED Partner Series.

A comunicação, que se pode ver aqui abaixo, não tem o brilhantismo normal das comunicações TED, talvez porque o formato em que se desenrola no meio de outroas comunicações não tenha aquele carácter único e de destaque que normalmente são conferidas às conferências TED. Por outro lado aquilo que Philip tem para nos dizer resume-se à definição do SL enquanto Virtual Environment (VE) e o seu impacto enquanto meio de comunicação. Não que julgue ser uma má comunicação, porque não é, apenas esperava mais. Esperava ouvir mais do que aquilo que já sabemos, esperava ouvir uma perspectiva vinda do interior do objecto capaz de me iluminar de alguma forma e nesse sentido fiquei decepcionado. Contudo julgo que é uma comunicação a ver e ouvir e como tal deixo a seguir ao vídeo a transcrição de algumas deixas que me parecem relevantes.


"Technology is being used to allow us to create and share (..) SL and VE represent the best we can do to achieve that right now (..) Virtual Worls (VW), like space, they allow us to reinvent ourselves."

"SL is 20,000 computers connected (..) WoW comes on 4 DVDs, SL is 100 Terabites of user-created data, making it about 25,000 larger."

As duas grandes diferenças entre a Web e o SL:

"The web is text to text links (..) in SL information is presented to you using the most powerful iconic symbols that you can possibly use with humans." [One Picture is Worth Ten Thousand Words].

"Experiencing of creating, consuming, exploring information is in VW implicitly and inherently social (..) in Amazon you can't talk to other people while shopping (..) experiencing information together (..) the trend is to use technology to connect with each other."

Já agora e dentro desta sequência fica o convite para que submetam trabalhos à SLACTIONS 2009.

março 25, 2008

Le Scaphandre et le Papillon

Un film émouvant.
Título original: Le Scaphandre et le Papillon
Título internacional: The Diving Bell and the Butterfly
de Julian Schnabel, França, 2007

Toca-nos o sentir, toca-nos a percepção, toca-nos a emoção. Não conseguimos ficar indiferentes a uma condição que pode vir a ocorrer connosco próprios. Ao contrário das doenças de degeneração cognitiva onde perdemos a noção de identidade e dessa forma o mundo se torna num emaranhado de abstracções o que temos aqui é a manutenção completa da intelectualidade em detrimento da parte física, aquela que tantas vezes desprezamos por pensarmos que nada mais é que uma habitáculo para o nosso ser. Damásio refere que a nossa emoção fica registada no nosso corpo e não propriamente na nossa mente, e desse modo não existe lugar para criar uma divisão corpo/mente. Sem o corpo podemos continuar a imaginar e a sentir, contudo isso estará sempre ligado à memória que fixou os marcadores emocionais do que é bom e do que é mau, perde-se o acesso à regeneração desses mesmos marcadores. O que aqui vemos é alguém soterrado pelo seu corpo, uma espécie de escafandro que vai puxando o que resta da sua vida para o fundo através de um enorme peso gravitacional e à medida que nos vamos afundando as águas vão ficando mais turvas e indecifráveis. Temos sempre a ideia de que a visão é o sentido mais importante de todos e que este nos dá acesso ao mundo, mas não chega, falta a percepção física desse mundo que nos é dada pela ecologia do ambiente (Gibson, 1969) e que nos chega através de milhares de informações que o nosso sentir (que é mais do que aquilo que os nossos 5 sentidos realizam individualmente) filtra e transforma em informação essencial à manutenção do nosso ser no mundo.

Como filme, a primeira meia hora é sem dúvida o filme que se quer mostrar, tudo o resto é uma reconstrução dramática de algo que já não existia, mas que serve para contar a história ao espectador e não prolongar a sensação dolorosa daquela condição. É nesta primeira parte que o filme consegue ser surpreendente do ponto de vista estético pondo em evidência o que é passar por aquela condição. O cinema conseguiu uma vez mais usar toda a sua arte para exemplificar de um modo, diria quase perfeito, uma condição humana nova para todos nós. Poderia-se pensar que o livro escrito pelo próprio Jean-Dominique Bauby que dá suporte a este filme poderia ser visto como brotado do interior da fonte desta condição, contudo o cinema como arte audiovisual é o modo mais completo para a tradução do sentir desta pessoa. O filme, é assim algo que se deixa entranhar, porque não é filme, é antes uma projecção de algo que nos intimida e que nos suga para o seu interior. Neste espaço temporal percebemos a condição daquela pessoa, sente-se perfeitamente o que é estar limitado a uma projecção do mundo sonoro e visual apenas, o que é poder apenas mover a órbita do olho em busca da informação. Nestes 30 minutos, poderia dizer-se que a empatia é difícil para com o personagem, que o é porque não o vemos e vemos apenas o que ele vê, mas por outro lado, sentimos o que ele sente, e isso vai muito além do que poderiamos imaginar. A tela consegue uma tradução do que o personagem vê e do modo como vê, bastante carregada de expressividade através dos enquadramentos e da fixação ou permanência temporal nesses enquadramentos que nos transmitem o que pensa o nosso personagem sobre a realidade à sua volta. Sem dúvida um grande trabalho de Julian Schnabel, apesar de a restante parte do filme parecer por vezes não passar de um aglomerado de momentos esteticamente apelativos dada a beleza da imagem, sonoridade e alguma música fácil (pop), mas que podemos sempre procurar enquadrar no âmbito da "vida normal" de um editor de uma famosa revista de moda. Schnabel autor do belíssimo Basquiat, ganhou o prémio da melhor realização em Cannes e recebeu uma nomeação para os Oscares por este trabalho para além de uma extensa lista de outros prémios.

Como objecto de análise e investigação não posso deixar de reflectir sobre o impacto deste acesso ao mundo via sentido visual (e auditivo) e colocar em evidência os trabalhos realizados no campo da realidade virtual. Trabalhos esses que se têm centrado no campo da visão, com alguma sonoridade à mistura mas à qual vai faltando exactamente essa percepção do ambiente. O que podemos ver neste filme é realmente o quão difícil é perceber o que nos rodeia só com a audição e a visão, ou melhor o quão difícil é estar limitado a isso apenas, onde ficam todas as restantes sensações. O que este filme coloca em evidência é que o acesso RV é uma prisão e não uma libertação deste mundo enquanto projecção da primeira-pessoa, seguindo o filme, o acesso VR será um acesso do tipo Locked-in Syndrome. E assim este é mais um ponto em favor da teorização da ausência de empatização para com o personagem principal que não se deixa ver porque o acesso é extremado e mantido na primeira-pessoa, ou seja em câmara-subjectiva que tenho vindo a defender. Ou seja, precisamos de ver, o que o personagem vê e sente desse mundo, e não apenas ver através dos olhos deste e por isso mesmo o filme foge desse registo ao fim de pouco tempo. Percebe-se durante aquela primeira parte o quão opressivo pode ser um acesso à realidade dessa forma, o acesso restringido ao que se vê e ouve é manifestamente insuficiente e nem mesmo a voz off consegue adocicar aquela condição. Não queremos apenas ver o mundo como ele vê, mas queremos senti-lo, acima de tudo queremos percebe-lo e dessa forma o livro consegue ser muito mais forte na empatização que cria para com os seus leitores do que o filme, mesmo sendo o filme muito mais fiel à condição do seu autor.

Toda esta discussão faz-me pensar nos ambientes virtuais da actualidade e percebe-se que o Second Life não seja apenas uma perspectiva em primeira-pessoa, mas de terceira-pessoa. Imaginemos se esta pessoa, dentro de um escafandro, pudesse projectar o seu próprio corpo em outro corpo e controlá-lo, sem controlar apenas a visão e audição. Porque o que choca Jean-Dominique não é a falta de mundo, ele próprio refere, que pode imaginar tudo o que ele quiser, contudo o que lhe falta é a interacção com esse mundo. A metáfora do cérebro dentro de uma cuba de água, alimentada pelas teses metafísicas de Descartes caem aqui completamente por terra. Não há lugar para esses devaneios, não há lugar para esses desencantos com a materialidade e o terreno, o que nos atrai é o aqui e agora, é a relação com os outros é a interacção com os outros e para voltar ao core do meu trabalho é o contacto físico com os outros, o toque.
Trailer de Le Scaphandre et le Papillon (2007)

fevereiro 29, 2008

cry realtime

A Crytek, vencedora do prémio Best Technology da GDC deste ano, fez uma demonstração na GDC 2008 do seu portentoso motor de rendering, CryENGINE2, fazendo uso de um dos mais memoráveis spots publicitários da Sony e replicando-o em todas as dimensões visuais só que desta vez com a acção a decorrer em tempo-real. É mais um paço em frente no realismo, o que está aqui em questão nem é tanto o fotorealismo mas a capacidade de gerar esse mesmo fotorealismo em tempo real. Ou seja, seria possivel utilizar este spot no ambito de um jogo e colocar um personagem controlado pelo jogador a tentar apanhar as bolas ou a correr a frente delas durante a queda das mesmas. Sobre as implicações deste real-time sobre os ambientes virtuais veja-se este manifesto do colectivo Auriea Harvey & Michaël Samyn.
Entretanto alguém já se encarregou de realizar um filme comparativo com inserts alternados dos dois filmes e enviar para a GameTrailers.com, deixo aqui para verem.

UPDATE: Entretanto na conversa com um colega dei-me conta que temos um português a trabalhar no desenvolvimento deste poderoso motor de jogo 3d , o Tiago Sousa.




[download do filme original, 25mb]
[a partir de No Fat Clips!!!]

outubro 06, 2007

sobre a INTUITION

Não só pelo facto de ter prometido que deixaria aqui o meu testemunho da conferência mas também porque julgo que as ideias e argumentos que me chegaram e me fizeram mudar subtilmente algumas ideias ou afunilar alguns objectivos poderão ter também alguma validade para quem não pôde estar no National Bank of Greece Training and Conference Centre situado numa zona costeira de Atenas, Glyfada.
A conferência foi aberta por
Angelos Amditis investigador sénior do Institute of Communications and Computer Systems da National Technical University of Athens e coordenador da INTUITION Network of Excellence financiada pelo FP6-EC. A INTUITION, que está no centro da organização desta conferência, é uma rede com 58 parceiros de 15 países europeus, Portugal não está representado infelizmente, relacionada com a investigação sobre o estado actual da Realidade Virtual tanto da área académica como industrial, mais especificamente "to overcome fragmentation and promote VE establishment within product and process design".

Amditis falou sobre a forma como a INTUITION permitiu realizar alguns avanços para a re-estruturação do conhecimento na área da realidade virtual e deixou ficar algumas ideias sobre os possíveis caminhos a seguir na investigação da RV. Especificamente levantou pistas sobre os principais problemas que a RV enfrenta na penetração na industria, tais como:

1- Technology
Falta de tecnologia de fácil utilização.

2- Interaction concepts
"The lack of immersive 3D-UI paradigm (comparable to the 2D WIMP paradigm) and the fact that spatial interaction is not properly understood at cognitive level are the main barriers in terms of interaction."

3- Integration
Muitos dos conceitos, possibilidades de software e hardware estão já à disposição, as a sua não integração em plataformas estandardizadas dificulta o seu uso.4- Socio-economic issues
"high cost of VR-systems are avertive factors towards VR penetration"

E em face destas barreiras Amditis apresentou os pontos que considera de "motivação" para se poder dar a volta ao problema,

1- Industry requests
A industria reclama novas tecnologias e novas funcionalidades da RV.

2- Socio-Economic
"Complexity of information grows (..) users with VR/AR interface awareness is grow-ing (..) increased interest of investors in novel technology opportunities."

3- Technology
"The game industry is technology driver for real-time 3D graphics hardware"

No final Amditis sintetizou as áreas de investigação urgentes que a rede INTUITION considera como necessárias na investigação;

1- Interface Technologies
"Components of multimodal interfaces(..)

2- Content Technologies
"Realistic behaviour of VEs (..) Visual realism (..) Representation of real and virtual humans (..) Content Management"

3- System and Integration Technologies
"Software Architectures (..) Interoperability"

4- Interaction
Na minha óptica é verdadeiramente a área que precisa de investigação que permita avançar o estado actual, se não veja-se o tipo de interacção que temos actualmente em ambientes como Second Life. "Natural interaction for creation and composing of geometry/objects/worlds in immersive environments (design)"

5- Human Factors
Ou seja investigação fundamental ou básica "Presence Research (..) Perception/Cognition Research (..) Understanding of collaboration in immersive environments (..) Evaluation Technologies"

Todos estes pontos podem ser analisados mais em detalhe no paper publicado por Amditis et. al (2007) Towards Networked and Structured VR European Research Area: Intuition Network of Excellence and Future Research Challenges.

Depois desta excelente introdução, tivemos também direito a um excelente keynote que quase nem parecia investigador das ciências da computação mas parecia mais ter caído ali vindo directamente das ciências cognitivas. Mel Slater apresentou-se com uma comunicação intitulada "Interaction with Self and Others" onde retratou as problemáticas da representação do Eu nos ambientes virtuais (Virtual Environments - VE), da interacção com os Outros situando sempre o discurso numa base de "body centered interaction".

Sobre a "representação do Eu nos VE", Slater veio defender um novo paradigma de interacção em ambientes virtuais que assentem no envolvimento do corpo como um todo. Para isso apresentou um estudo bastante detalhado de testes psicológicos/fisiológicos sobre a "ancoragem do corpo" no mundo virtual através das "sombras e reflexão" demonstrando ainda que num estudo limitado (33 sujeitos) existe um aumento do "sentimento de presença" quando as sombras e as reflexões estão activas no mundo.

Sobre a interacção com o outro, Slater, defendeu que a interacção com personagens de tamanho real (ou seja, em que a representação apresenta dimensões facilmente transponíveis para um ambiente real) pode ser mais eficaz do que a interacção criada nos videojogos com pequenos personagens. Sobre este ponto questionei-o no final, por achar que apesar de ele poder ter alguma razão, não podermos esquecer a força do envolvimento emocional criado com personagens em ambientes de jogo em modo third-person view. Sobre isto anuiu que não queria dizer que era mais eficaz, mas que era apenas diferente. O que eu aceito, é diferente e pode até ser mais eficaz para VEs orientados a tarefas especificas mas não pode por isso ser automaticamente catalogado como simplesmente mais eficaz e desse modo aconselhado para todos os tipos de VEs. Assim os chamados personagens de tamanho real seriam na sua óptica indicados especialmente para as áreas da psicologia "social phobia" e "exposure therapy" e Slater considerou mesmo que a RV seria um dos melhores laboratórios actuais para testes de psicologia. Finalmente Slater ainda falou do seu mais recente estudo no qual replicou a conhecida experiência de Milgram, os dados dessa experiência podem ser analisados em um dos seus recentes papers, mas Slater salientou que apesar de ter conseguido dados interessantes sobre as reacções dos sujeitos reais quando confrontados com a "dor" ou expressão de dor dos sujeitos virtuais, ficaram ainda bastante longe da experiência realizada com sujeitos reais.

Seguidamente a esta abertura de Slater decorreram 3 sessões paralelas e eu participei na sessão de Design & Authoring onde apresentei algum do trabalho desenvolvido no projecto INSCAPE sobre o plugin Atmosphere Editor que estamos a desenvolver e que permitirá a qualquer utilizador muito facilmente manipular os ambientes e personagens num âmbito emocional dentro das motivações da história que se pretende contar interactivamente.

Da parte da tarde tivemos o outro keynote Doug Bowman da Virginia Tech que veio falar sobre as questões paralelas ao trabalho de Slater, o processo de Imersão. O domínio de Slater está centrado no utilizador e daí o conceito de Presença, enquanto que a Imersão, tal como apresentada por Bowman, é um conceito centrado na tecnologia. Bowman apresentou várias problemáticas agregadas à questão da imersividade e apresentou algumas ideias sobre os benefícios desta,

1- Increase Spatial Understanding
2- Increase peripheral awareness
3- Increase Bandwidth (attention demanding tasks)
4- Decrease information "cluster" (information visualization)

Bowman julga também ser necessário ponderarmos a possibilidade de se alargar o domínio da RV enquanto área de investigação a outros domínios e para isso considera que não devemos categorizar a RV apenas em "true or immersive" (HMDs e CAVEs) e "non immersive" (VR desktop), a RV deve ser vista como um continuum. No final deixou alguns questões no ar para que a audiência pudesse discutir e que deixo aqui para vossa reflexão,

- "Will true immersive VR still make a large real-world impact?
- "What are some other ways to apply VR research to non-VR contexts?"
- "What are some non-traditional benefits or applications of immersive VR"


Nelson Zagalo
Atenas, 5 de Outubro de 2007