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dezembro 09, 2013

Através do tempo, vistos pelo cinema

Poderoso. Mais uma vez Kogonada a abrir os nossos horizontes cinematográficos, a ampliar os sentidos daquilo que vimos, ouvimos e retemos. Desta vez Kogonada centrou-se sobre o trabalho de Richard Linklater, nomeadamente sobre a sua magnífica trilogia "Before…" que ainda há pouco tempo aqui analisei. Em contra-ponto com a minha análise, e a da grande maioria, Kogonada verbaliza mais uma vez a sua análise através do audiovisual, e não do mero texto. Kogonada é simplesmente brilhante, e a continuar assim poderá vir a tornar-se numa das mais importantes referências da crítica cinematográfica. Porque é todo um novo mundo para a crítica, já que se realiza a partir do mesmo meio que critica, e isso satisfaz-me imensamente, porque vai totalmente de encontro ao que venho defendendo em termos de literacia.


Em "Linklater // On Cinema & Time" (2013) Kogonada resume em 8 minutos o âmago da trilogia "Before...", trabalhando outros títulos de Linklater como "Slacker" (1991) e "Waking Life" (2001). Mas mais do que isso, aponta um caminho para compreendermos melhor porque nos ligámos tanto ao três filmes dessa trilogia. É algo que verdadeiramente não se pode explicar em texto, e Kogonada faz-nos o favor de o explicar em imagens e sons. Os sentimentos que percorrem a trilogia "Before...", apesar de assentarem no diálogo apenas, parecem não se suportar quando expressas em mero texto. Aqui temos o movimento, o som, a música, as vozes e os seus timbres, a linguagem corporal, tudo num misto capaz de transmitir uma ideia profunda de contemplação do tempo. Do tempo que passou e do que ainda nos resta, o tempo e nós...
"If cinema is also the art of time passing, then Linklater is proving to be one of its most actively engaged and thoughtful directors. Unlike other filmmakers often identified as auteurs, Linklater’s distinction is not found on the surface of his films, in a visual style or signature shot, but rather in their DNA, as an ongoing conversation with cinema, which is to say, a conversation about time passing." [Texto de Kogonada na Sight & Sound]

"Linklater // On Cinema & Time" (2013) de Kogonada

dezembro 02, 2013

O que é o Neorealismo?

Mais um trabalho brilhante de Kogonada sobre a linguagem cinematográfica, desta vez a propósito daquilo que define a estética da corrente neorealista dos finais dos anos 1940. Kogonada faz aquilo que considero ser a verdadeira arte de análise cinematográfica, centra-se na forma, centra-se nas imagens, e procura perceber como o autor comunica. O facto de o fazer por meio de ensaio audiovisual permite-lhe chegar aonde a crítica em formato de texto não consegue, por mais adjectivação que glose.


Neste ensaio de cinco minutos Kogonada realiza uma comparação minuciosa da montagem de um filme de Vittorio De Sica, criador do mítico Bicycle Thieves (1948), com a remontagem do mesmo filme, por David O. Selznick, produtor de Gone with the Wind (1939). O filme em questão é Terminal Station (1953, 89 minutos) de De Sica, tendo a remontagem para o mercado de hollywood por Selznick, recebido o nome Indiscretion of an American Wife (1953, 72 minutos). Ambas as versões podem ser encontradas no mesmo dvd da Criterion Collection.

Kogonada realizou este ensaio para a britânica Sight & Sound, procurando dar resposta à questão, o que é o neorealismo? E essa resposta podem encontrá-la no seu ensaio, de uma forma muito serena, clara e objectiva. No final fica ainda a reflexão inevitável sobre o poder da montagem.

What is neorealism? (2013) de  Kogonada

Fica o link para outros artigos aqui escritos sobre trabalhos de Kogonada, e o link para a sua página pessoal.

janeiro 05, 2013

padrões do storytelling fílmico

Já aqui falei de Kogonada quando falei da nova tendência criativa do universo vídeo online, os supercuts. Trago agora os seus dois mais recentes trabalhos, o primeiro que analisa o elemento da passagem em Yasujirô Ozu. O segundo que trabalha excertos dos filmes que ganharam últimas edições do Moët British Independent Film Awards.


Não consigo deixar de me espantar e de dizer aqui, apesar de tudo o que já disse no texto anterior, que Konogada tem não só um olhar clínico, como uma enorme facilidade em materializar as ideias que observa. Aqui o objectivo de Kogonada é concentrar num efeito estilístico a marca autoral e estética de um autor.
The films of Ozu are filled with people walking through alleys and hallways: the in-between spaces of modern life. This is where Ozu resides. In the transitory. It’s what he values as a filmmaker. Alleys are not an opportunity for suspense but for passage. 
Ozu // Passageways

Já no segundo filme, Kogonada concentra-se em alinhar não apenas os padrões visuais, mas vai mais longe na tentativa de desenvolver quase uma espécie de mini-gramática dos verbos do storytelling cinematográfico. É extremamente interessante a forma como ele junta todas estas sequências, lhes desenha um padrão claro, e nos faz perceber mais concretamente do que é feito a linguagem do cinema.

2012 Moët British Independent Film Awards

novembro 18, 2012

Supercuts

Os supercuts (montagem acelerada de pequenos trechos audiovisuais que procura isolar elementos visuais ou sonoros de forma encadeada) massificaram-se com a distribuição facilitada pela internet, mas foi um processo que se iniciou com o processo de digitalização do cinema, que veio criar novos meios de acesso aos artefactos fílmicos. A facilidade com que hoje podemos aceder a dezenas de filmes, e rapidamente podemos cortar, colar, comparar, integrar, reinterpretar mudou radicalmente o modo como podemos atuar sobre a imagem em movimento. Além disto o conhecimento colectivo gerado pela rede facilita o processo de busca, identificação, e recordação. Assim como facilita os processos colaborativos de discussão e partilha dos trechos a trabalhar.


Tendo em conta a enorme quantidade de supercuts que foram aparecendo nos últimos anos, podemos dividir os mesmos em dois grandes tipos,  os informativos / educativos e os de forma / entretenimento. Sobre os segundos pode-se encontrar muita coisa no sítio supercuts.org, tal como The End, Apocalipse, Twin Towers. Sobre os primeiros discutirei agora em maior detalhe.

Supercut do IMDB Top 250

Alguns criadores têm surgido e têm captado a nossa atenção, não apenas pela minúcia e qualidade técnica do seu trabalho, mas também pelo lado conceptual do mesmo. De um lado temos supercuts informativos como aqueles que é hábito aparecerem no final de cada ano, que resumem em 5 ou 6 minutos um ano inteiro de cinema ou o recente exemplo do IMDB Top 250. No campo mais educativo temos trabalhos de muito maior alcance, como são os supercuts criados por Kogonada, que trabalham sobre um determinado aspecto estético cinematográfico, e o colocam em evidência, levando-nos a ver para além da mera crítica textual, realizando um trabalho verdadeiramente pedagógico. Kogonada é um ex-estudante de doutoramento, na área de estudos fílmicos mais em concreto sobre Yasujiro Ozu, mas que decidiu abandonar para se dedicar a fazer os seus próprios filmes. Numa entrevista dada ao Creators Project, Kogonada refere que aquilo que busca nos seus trechos, são as marcas autorais de cada criador,
Well, I’ve been a cinéphile for some time, and I still believe in the auteur. So I’ve noted tendencies in certain filmmakers for a while. The truth is, there are not a lot of filmmakers, certainly in the US, that have a particular aesthetic. I own a lot of the works from directors that, I think, have a distinct voice and style. For me, it’s been a matter of contemplating which particular technique from these directors would cut nicely together (with many of these auteurs, it’s not just one technique you could highlight, but a number of them). I’m less interested in documenting every example of a particular technique in the work of a director, then I am putting together something that is both attuning and visually interesting.
O que é relevante no trabalho de Kogonada é a forma como este consegue desenvolver um olhar clínico para extrair as semelhanças estéticas dentro das obras de cada autor, e dá-las a ver com tanta clareza. O trabalho sobre a perspectiva, One-point Perspective, em Kubrick é absolutamente magistral. Apesar daquilo que Kogonada nos traz não ser propriamente surpreendente, já que ainda recentemente aqui tínhamos falado sobre movimentos e espaços impossíveis na obra de Kubrick. Este supercut consegue ainda assim trazer nova luz sobre a obra de Kubrick, plasmando na nossa frente a realidade desconstruída do seu trabalho obsessivamente estilístico. Exatamente o mesmo podemos ver no trecho sobre design de som nas obras de Aronofky.

Kubrick // One-Point Perspective (2012) de Kogonada

O que estes vídeo-ensaios fazem é chamar a atenção para motivos e detalhes que só quem estuda os autores se apercebe. Alguns podem até nem passar completamente desapercebidos, mas a vantagem de um supercut é poder ver o elemento dissecado em vários obras do mesmo autor, e assim poder conceptualizar mais detalhadamente o alcance estilístico de um determinado efeito num autor. Isto permite-nos perceber melhor as obsessões e manias dos criadores, para assim conseguirmos compreender as suas motivações criativas.

Sounds of Aronofsky (2012) de Kogonada

Finalmente julgo que estes supercuts colocam a nu algumas questões que me incomodam desde sempre na academia no seio dos Estudo Fílmicos, e que passa por analisar o meio cinematográfico através do mero texto. Como podemos ver aqui, estes dois artefactos de Kogonada assumem um valor que supera intensamente qualquer texto que tenha até hoje procurado dissecar estas propriedades em ambos os criadores - Kubrick e Aronofsky - porque usa exatamente a mesma linguagem da obra analisada. Nesse sentido o seu discurso está muito mais próximo da “realidade” do artefacto analisado, cometendo muito menos “erros” de tradução na análise do audiovisual para o mero textual.