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outubro 08, 2018

Uncharted: The Lost Legacy (2017)

Teria preferido que "The Lost Legacy" fosse um DLC já que não nos dá mais do que isso e porque as expectativas teriam sido mais baixas. Eu sei que a sua duração não é compatível com um DLC e que a dimensão do trabalho executado mais do que justifica fazer do mesmo um tomo de qualquer série de videojogos. O problema é que "Uncharted" não é uma qualquer série, e basta olhar para o que escrevi sobre os anteriores tomos, em particular o mais recente, "Uncharted 4" (2016), para perceber isso mesmo. "Lost Legacy" é, para mim, apenas um DLC, não diferindo de "Left Behind" (2014) para com "The Last of Us" (2013). Deste modo não aprofundarei a análise, farei apenas alguns reparos sobre a narrativa e o design.


Na história, temos uma extensão de "Uncharted 4", a história estende alguns dos personagens não principais, o que sendo interessante por abrir dimensões menos exploradas em toda a série, nomeadamente a perspectiva feminina, falha em inovação. Não posso dizer que não seja interessante a afirmação do duo feminino, todo o humor envolvido e subtileza com que nos vão conduzindo pela trama, mas senti tudo muito colado aos grandes estereótipos do género: não é Nate, mas mudar para Lara Croft e a sua relação com o pai, e dar-lhe um sentido de humor à la Nate, revela muito pouca imaginação. E não é apenas a proximidade entre Lara e Chloe que me lembra "Tomb Raider", é o pior de Tomb na comparação com Uncharted, o exagero narrativo. Talvez eu já esteja demasiado velho, mas encontrar cidades inteiras feitas de ouro e jóias, quase uma por capítulo, destrói qualquer sensação de surpresa. Por muito que se queira crer no mundo-história, acaba fazendo que tudo se desmorone, pois se um El Dorado é bom, muitos é uma banalidade.

Para agravar a banalidade do excesso do cenário narrativo, temos que a arte desenvolvida para "Lost Legacy" fica bastante aquém de "Uncharted 4". Apesar do jogo incentivar tirar fotografias, foram raras as vezes que o fiz, porque os cenários apenas pareciam ser fantásticos, faltando-lhes todo o detalhe e estudo a que "Uncharted 4" já nos tinha habituado. Depois de provar um café com natas, darem-nos mero café sem açúcar, não é que seja mau, mas é bem diferente em termos do que nos pode fazer viajar experiencialmente.




Por último, li várias excelentes resenhas sobre o jogo, nomeadamente sobre o design, com o que tenho de discordar. Não sendo mau, elogiar "Lost Legacy" parece-me completamente despropositado. A experiência de jogo é altamente afunilada, o sentimento de agência, mesmo nas grandes secções de condução do jipe é reduzida, não comparável ao que já nos tinha dado a série. Posso até aceitar que a sequência do comboio supera a de "Uncharted 2" (2009), mas apenas porque se passaram muitos anos, e se nota que houve um cuidado particular com toda esta sequência no jogo. Ainda assim, se o design funciona muito bem, nem por isso a narrativa que envolve a sequência faz mais sentido. De uma forma geral, o design de jogo é muito fechado e completamente arrastado pela linearidade narrativa, não gerando qualquer surpresa.

Joga-se como um DLC, apesar de vendido como jogo independente, e apesar da crítica ter oferecido os mais elogiosos louvores e defendendo essa opção de lançamento independente, não passa disso mesmo, de um DLC. Ou seja, a jogar por quem tenha jogado "Uncharted 4" e queira estender um pouco a experiência, sabendo que o aqui vai encontrar é café sem natas, nem açúcar.

novembro 21, 2015

Storytelling visto por quem escreve videojogos

A VentureBeat conseguiu uma entrevista longa e exclusiva à volta do storytelling nos videojogos com duas das mais importantes figuras femininas dos videojogos da atualidade, Amy Hennig responsável pelos três primeiros jogos da série Uncharted, incluindo os guiões, e Jade Raymond produtora dos dois primeiros "Assassin’s Creed" e "Watch Dogs". A entrevista não traz nada de muito novo, mas é sempre bom perceber que existe sintonia entre a indústria e a academia.

Amy Hennig (1965), diretora e guionista 

Jade Raymond (1975), produtora

A entrevista reflete muita da discussão patente na academia relacionada com a Agência, Autoria, Liberdade, Interatividade. Questões como Hennig lança, “in the literal sense, is there a story if there’s no author?”, são centrais nas nossas preocupações no que toca ao desenvolvimento da narrativa num meio que tem permitido evoluir uma estrutura que estava de algum modo estagnada nos restantes meios. Claro que apesar de a história ser central no puxar da carroça emocional do jogador, tudo isto só faz sentido, como diz Henning quando um videojogo nos faz “sentir algo através das mecânicas”.

Apesar desta insistência na narrativa, que assumo como minha obsessão nos videojogos, temos de ser mais abertos, e condescender que nem tudo pode ou deve ser feito da mesma forma. Raymond diz a determinado momento algo próprio do senso comum, mas que muitas vezes esquecemos,
“Different players are looking for a different amount of authorship and a different amount of agency. We’re trying to find how to push and redefine that type of narrative-driven experience. We’re looking for more player agency and different types of interaction.” Raymond
Reforçado por Hennig de novo quando o entrevistador fala da sua dificuldade em lidar com a complexidade dos mundos de jogo abertos,  “It’s like what we said – different tastes for different players. Not everybody likes the same movies. Not everybody is going to like the same type of game.

Nos últimos anos tenho dado comigo a gostar mais e mais de mundos de jogo abertos que multiplicam as possibilidades de acesso narrativo, que no fundo ampliam a minha agência sobre o mundo e história, mas compreendo que é algo bastante complexo e exigente para o jogador, embora admitamos que se usarmos bem as ferramentas disponibilizadas pelos HUDs facilmente nos conseguimos orientar. Claro que gosto de mundos abertos, mas porque sou ajudado pelos designers, discordo totalmente da ideia de jogar num mundo aberto sem qualquer sistema de referência como ainda na semana passada defendia Mark Brown no seu Game Maker's Toolkit.

Game Maker's Toolkit "Following the Little Dotted Line" (2015) de Mark Brown

Tudo isto se reflete no modo como Hennig, alguém com enorme experiência em termos de direção e escrita para videojogos, define a abordagem do storytelling aos videojogos:
“there’s no right way to do it. The right way is what works for your audience, and that’s all kinds of things. There are games that have linear stories, games that have branching stories, games that have minimal story – you’re inferring the story as you play. But they’re all effective (..) Our challenge as game designers is not so much to be dogmatic about the right or wrong way to tell stories." Hennig
Tenho mais dificuldade em seguir Hennig quando se escuda na interpretação como forma de interatividade.
“One form of interactivity is interpretation. I find poems and lyrics more interactive than a non-fiction book, because I’m actively engaged in interpreting that experience through the collision of metaphor and information. Games are like that.” Hennig
Bem sei que assim é do ponto de vista cognitivo, mas isso em nada se diferencia de qualquer outro meio narrativo, e acaba mesmo por chocar com o que ela defende logo a seguir que deve surgir como central no desempenho de um videojogo
“Our goal as game-makers, always, is to make sure we enable as much player agency and choice as possible within the space that makes sense in the game.“ Hennig
Claro que temos o reverso da medalha, e que ela bem expõe naquilo que se supõe ser uma história,
“story implied authorship. It implies intent and structure. A well-told story generally doesn’t meander. It has very specific landmarks and beats and upturns and downturns and obstacles and reversals. It has a resolution that you want to feel both surprising and inevitable. That’s story." Hennig
No fundo, andamos nesta batalha há décadas, e estamos longe de ter encontrado uma solução, como acaba dizendo Raymond
“I don’t think anyone has found the secret recipe, though. Like you said, some games are striving for 100 percent player agency, and you end up getting lost or missing the story entirely or off on random quests to fetch things. On the opposite end of the spectrum, you feel like you have no agency. You’re just doing quick time events, pressing buttons. Neither of those is the answer. But I think there’s a sweet spot, and that’s what excites me personally. We have to find out what the perfect interactive game can be.” Raymond
Noutra parte da entrevista a discussão aborda uma complexidade que para nós académicos, menos habituados a lidar com as complexidades da produção de um artefacto, menos ainda destas dimensões, tendemos a esquecer, as cutscenes. Vistas de fora parecem ser tapa-buracos, estratégias estudadas para desculpar a inabilidade e fazer progredir o jogo narrativamente, quando no fundo os criadores gostam menos delas que nós, como já ontem lia no livro “Extra Lives” (2010), Clint Hocking (diretor criativo de "Far Cry 2" e "Splinter Cell: Chaos Theory") dizer a Tom Bissel:

Clint Hocking, diretor e guionista
"I despise cut scenes, we have a mandate, actually, not to use cut scenes. It's not necessarily engraved in stone, but most of us believe we need to try to tell a story in an interactive way (..) The constraints that they bring are significant. Once a cut scene is built and in the game, you can't change it. You're done. A lot of my work on the original Splinter Cell was building cut scenes, which is a massive waste of time. They were taking my time away from making the game more fun.” Hocking 
Algo que surge aqui quando Raymond e Hennig procuram dar resposta a essa inabilidade de dar conta da progressão e consequências no jogo
Raymond: "But I feel like the link should be —If, for example, you’re writing 2000 lines of dialogue for your story anyway, wouldn’t it be easier to just say, “I have these five bits I’m tracking. How many civilians have you killed?” And just reflect that somehow in the story, so that when you encounter someone, they comment, “Okay, you must be a real badass now, because you’ve been driving like an asshole."
Hennig: "But if you have a game that has cinematics, now you have to maintain all these branches."
No final fica a interessante reflexão de Raymond sobre a que objetivamos com os videojogos, que no fundo não é diferente do que fazemos com o cinema e literatura, embora aqui talvez possamos ver isto de modo ainda mais objetivo, discreto e concreto:
“When I think about games — You go to school and you take tests. You get it back and you got a 90. Great, good job, you’re a smart kid, pat on the back. After you finish school you go out in the real world. You get evaluations at your job, but it’s all in this soft style. Who knows? It’s not like I got the math questions right. I don’t really know how well I’m doing. Your life is missing that sense of clear accomplishment and doing well. Promotions are so vague.
What I love about games is that a lot of these systems are trying to boil down the rules we deal with in real life into something simple. You can have the sense of clear satisfaction that you don’t necessarily get in real life after you finish school.”
Raymond

Isto é central, os mundos narrativos decorram no meio que decorram têm como missão central dar sentido à nossa vida, e fazem-no simplificando a sua complexidade, a sua variabilidade, e a sua infinitude.

setembro 24, 2015

A história da Naughty Dog

Não teria sido possível a existência de “The Last of Us” (2013) sem “Uncharted 2” (2009). Esta é uma realidade por vezes pouco evidente, mas que fica bem clara neste documentário, "Naughty Dog 30th Anniversary" (2014) que retrata a história do nascimento, em 1984, de uma pequena empresa independente, que se aliou a Electronic Arts e foi entretanto adquirida pela Sony, mas que sempre funcionou com grande grau de autonomia.


Por mais fantástica que tenha sido a história da Naughty Dog, por vezes com boas doses de sorte, outras com muito empenho e dedicação, existem três ingredientes nesta história que fundaram a base que permitiu a criação da singular obra que é "The Last of Us":

"Naughty Dog 30th Anniversary" (2014)



1 - Desejo de ir além,

Ao longo deste documentário, podemos ver como isto esteve sempre presente na cultura dos fundadores, fazendo parte do DNA da empresa até hoje. Só isso justifica que a empresa tenha aguentado 30 anos ininterruptos de produção e criação de videojogos. A vontade por criar algo novo, melhor, diferente e não apenas mais do mesmo, foi o que permitiu manter o efeito de surpresa, projeto a projeto, e assim elevar e manter a motivação de todos.

Isto fica por demais evidente quando em 2009, depois do gigantesco sucesso de “Uncharted 2” a Naughty Dog em vez de se limitar a investir tudo em “Uncharted 3”, avançou com um projecto completamente novo, um projecto não meramente secundário. A equipa que nos tinha dado “Uncharted 2” (Diretores: Bruce Straley e Amy Hennig; Designers: Richard Lemarchand e Neil Druckmann) foi dividida em duas, e cada uma seguiu com o seu projecto, Amy Hennig e Richard Lemarchand asseguraram a continuação da saga Uncharted; já Bruce Straley e Neil Druckmann foi-lhes dado carta branca para lançar um universo de jogo completamente novo. Ou seja, ao contrário da ideia de que em equipa vencedora não se mexe, aqui arriscou-se, porque se queria mais, se queria fazer diferente, se queria ir além: “It’s never good enough!”


2 - Conhecimento colaborativo, 

Jason Rubin refere no final do filme, mas nunca é demais repetir, uma equipa colectiva para criar videojogos, não se cria simplesmente juntando meia-dúzia de pessoas, por muito competentes que sejam, são precisos anos de colaboração para criar rotinas, para que as pessoas conheçam o que cada um sabe melhor, e consigam verdadeiramente interagir. Isto é tanto mais fundamental quando está em causa criatividade e inovação, que depende totalmente da interação e cruzamento de ideias entre vários seres humanos no tempo, até que surjam coisas verdadeiramente novas, distintas: “You have to trust the people around you. On your own your is no way.”


3 - Almofada “Uncharted 2”,

Almofada financeira, mas também de auto-estima, e essencialmente de conhecimento acumulado. “Uncharted 2” foi um enorme sucesso tendo garantido à empresa enorme estabilidade e potencial económico para investir e falhar, tendo tornado mais fácil não apenas lançar-se na criação da terceira parte, mas ao mesmo tempo lançar todo um segundo pipeline, em paralelo, de produção à mesma escala para criar “The Last of Us”. Além da componente financeira, todo os envolvidos sentiram forte recompensa pelo trabalho desenvolvido, por meio não apenas das vendas mas também das excelentes críticas e análises que foram lendo ao seu trabalho. Sabiam que agora existia a pressão para ir além do 2, mas sabiam que tinham sido capazes de surpreender toda uma audiência imensamente exigente, isso garantiu altos níveis de rendimento criativo a toda a equipa.

Por fim, “Uncharted 2” não foi um mero sucesso de vendas ou de crítica, foi mais que tudo, a conquista de um pináculo de realização técnica no campo da criação e linguagem dos videojogos. Na componente técnica a criação da base que ficou conhecida como “active cinematic experiences”, responsável por colocar a narrativa a dominar a acção e jogabilidade, mas também pelas espetaculares sequências em que a dinâmica cinematográfica se cruza totalmente com a dinâmica de jogo, criando inovadoras cutscenes de acção jogáveis (sendo o melhor exemplo a sequência do comboio).

dezembro 24, 2009

Uncharted 2, o jogo ou filme


Uncharted 2, Among Thieves (2009) representa uma verdadeira aventura fílmica interactiva. A equipa de design estabeleceu como objectivo de partida recriar uma experiência visual ao nível do típico blockbuster de Hollywood, um filme de grande acção no qual o espectador pudesse controlar o personagem principal e participar no desfilar do filme. O objectivo da Naughty Dog foi conseguido, diria que em 90%. Falo do objectivo enunciado, porque como jogo, o portal Metacritic atribui-lhe a marca impressionante de 96 em 100, o que tendo em conta o modo de cálculo realizado pelo Metacritic implica uma maioria de notas máximas atribuídas pelas revistas da especialidade.

Uncharted 2 é uma mistura explosiva entre os elementos narrativos de aventura de Indiana Jones e os elementos de alta acção de filmes como Bourne The Ultimatum (2007). Fornece uma aventura do género "em busca de" e ao mesmo tempo recheia-a de acção electrizante colocando o jogador bem no centro nevrálgico de cada momento climático de explosões, corridas, perseguições e destruições. É um jogo tipicamente masculino, dada a dose de acção que contém, contudo pode facilmente apelar ao feminino pela beleza e detalhe que possui. Alguns excertos de críticas da Metacritic:
"A sumptuous adventure that enthrals from start to finish, a cast that you’ll fall in love with and a tale that’s better scripted, directed and paced than most Hollywood blockbusters." Telegraph (100)

"The spectacular combination of generation-defining visuals, high adventure and cinematic intensity makes Uncharted 2 absolutely essential." Playstation Official Magazine Australia (100)

"Uncharted 2 is a magnificent example of how this generation can infuse movie production quality with enjoyable gameplay and maintain a sense of fluidity throughout the feature presentation." Total Video Games (100)
Vejamos agora em detalhe os elementos do jogo:

a) Forma

a.1. Destaca-se o ambiente pela sua:
- Profundidade de campo, o constante trabalho de layering da focagem da zona de interesse expressivo em profundidade.
- Dimensão e detalhe dos cenários, são verdadeiramente impressionantes, cada zona nova onde chegamos dá vontade de rodar a câmara e apreciar a beleza e a dimensão do que nos rodeia em tempo real. Desde as selvas esverdeadas, ao urbano hiper-destruído, aos Himalaias a perder de vista e as cores vibrantes dos costumes do Tibete.
- A quase ausência de HUD é também muito importante, embora por vezes gostássemos ter um GPS, a experiência é no entanto diferente sem o mesmo.



a.2 Destaca-se a acção pelo:
- Movimento em grande velocidade de toda acção enquanto interagimos com a mesma (ex. cena do comboio, ou a dos saltos entre camiões).
- A imensidão de opções de acção, traduzida por exemplo nos tiroteios que podem ser realizadas a partir de qualquer zona do ambiente, podendo nós rodar e correr em várias direcções em busca do melhor local de tiro.
- Variedade de gameplay com plataformas, puzzles, combate corpo a corpo, stealth, third-person shooter.
- Música contemporânea com cheiro a Hollywood capaz de guiar a dramatização dos cenários e enfatizar as emoções correctas. Uma mistura entre Indiana Jones e 007.


b) Narrativa
Posso dizer que a narrativa de Uncharted2, suporta muito do que temos andado a defender nos últimos anos no modo de construção de uma narrativa mais emocional, contudo alguns dos problemas continuam por cá. Vamos analisar algumas dessas questões e lançar novas interrogações.


b.1 Com vários personagens “amigos” a suportarem o desenvolvimento do protagonista. 
O jogo apresenta cerca de 7 personagens à volta de Drake que se vão revelando ao longo do jogo, como amigos e inimigos, cometendo traições e ajudando-o em outras ocasiões. Todas as desventuras destes personagens ajudam a construir uma imagem da personalidade de Drake a traçar o seu perfil e a criar em nós uma empatia para com o mesmo. Sem dúvida que os personagens são um dos melhores elementos de Uncharted2 e por si só justificam já alguns objectivos conseguidos na arte dos videojogos.

b.2 Enredo rico e complexo o suficiente para manter o nosso interesse ao longo do jogo. 
Julgo que no âmbito da fábula teria sido interessante inserir um pouco mais de background sobre Marco Pólo, mas nada de grave, a viagem pelo Tibete compensa essa falta em certa medida. Em relação aos personagens a narrativa tem uma eficácia menor não por incapacidade intrínseca mas por razões que se prendem com um velho problema dos videojogos a “extensibilidade da experiência”. Ou seja a necessidade de fazer durar a narrativa para aguentar uma experiência maior, mais duradoura, faz com que esta comece a perder o seu potencial, fragmentando o seu poder e perdendo o encanto da coerência progressiva. Ou seja Uncharted 2 é uma experiência de storytelling quasi-perfeita até cerca de 75% do jogo, cerca das 10 horas, a partir daí começa a repetir-se, e começamos a sentir um claro alongar forçado da experiência. O atrasar do objectivo final é conseguido através da inserção de obstáculos e níveis que são desnecessários do ponto de vista da história podendo até gerar no jogador o entusiasmo da continuidade da jogabilidade. Contudo este retardamento que é feito sentir ao espectador não é devidamente recompensado pelo clímax final. Este funciona bem e justifica os tais 75%, mas não suporta os 25% enxertados no final da narrativa.


b.3 Do ponto de vista emocional
Em grande medida podemos ver aqui muitas das receitas de "emotioneering" de David Freeman algumas até algo exageradas pela repetição, nomeadamente os saltos para o precipício salvos in extremis pelo mão do colega que nos salva. Por outro lado a malha de personagens é perfeita e permite desenhar um grande leque de estímulos emocionais em Drake.


b.4 A narrativa desenvolve-se graças a inúmeras cenas não interactivas. 
Começo a indagar-me sobre esta minha fixação e obsessão com a interactividade plena. Pondero e questiono se a inserção de cenas não-interactivas pode ser aceite apenas como mais um elemento do artefacto interactivo. Em lado algum nos é dito que a interactividade tem de ser total, e se pensarmos mais uma vez nas regras de comportamento social muitas são as situações em que temos de nos manter parados, em que não podemos agir ou intervir para alterar o que se nos apresenta (ex. filas de espera, assistir a aulas ou conferências, viajar em transportes públicos). Agora isto também não pode servir como desculpa. Deve continuar-se a trabalhar no sentido de maximizar a interacção contínua, mas acima de tudo que as cenas não interactivas façam sentido, sejam sentidas como necessárias e contribuam efectivamente para a progressão da história assim como do enriquecimento da experiência do jogador. Neste sentido, é exactamente isso que Uncharted 2 faz na grande maioria das cutscenes. Estas servem de ponto de chegada ou partida em cada nó de acção. Servem ainda para introduzir cenas de grande complexidade e acção preparando assim o jogador. Servem para intensificar emocionalmente certas cenas, ao retirar o nosso poder de intervenção e colocando-nos em situações intensas. E servem fortemente para ajudar à progressão da narrativa e na criação desse sentimento no jogador.


Para fechar esta análise alguns detalhes sobre o objecto em concreto: o modo de jogo; a duração e localização; e o HD. Começando pela localização, esta é terrível, fiquei chocado. Tenho a dizer que esta é uma opinião formada apesar de ter iniciado o jogo na versão portuguesa. E isto quer dizer que por norma a primeira versão que vemos (ouvimos) torna-se naturalmente a preferida, tenho experiência disto com o cinema visto em Espanhol e Francês dobrado. A consola fez a escolha e joguei vários capítulos em Português. Até que fui rever alguns trailers e me pareceu que os personagens falavam num tom mais dramático dando uma maior profundidade à história e atmosfera. Foi então que passei para inglês e vi a grande diferença. Sinceramente não consigo perceber, apesar de existir uma clara vontade de ter um Drake bem-humorado “à la” Indiana Jones, não quer dizer que ele se torne num Conan O’Brian. E as personagens femininas perderam toda e qualquer sensualidade na voz o que altera e muito a narrativa, uma vez que elas representam a parte mais íntima da personalidade de Drake.


Sobre a duração e o modo de jogo. O jogo tem entre 13 a 15 horas dependendo da forma e do modo como se joga. O jogo é-nos apresentado com cinco modos possíveis: muito fácil, fácil, normal, difícil e hard-core. Esta é para mim uma decisão sempre difícil quando inicio um jogo. Por um lado a vontade de jogar sem perder demasiado tempo e sem ter de andar sempre em busca de dicas na Web. Mas por outro lado saber que se corre o risco de não aproveitar o jogo na sua integralidade, como por exemplo no nível de AI dos oponentes. Optei então pela 2ª opção, fácil, que o que faz é acima de tudo diminuir a duração dos combates, número de oponentes e activa um modo de dicas ao longo do jogo que nos vai fornecendo pistas sempre que o sistema detecta que estamos há demasiado tempo no mesmo local. Assim posso dizer que o modo “fácil” foi uma boa experiência, porque continuamos a ter bons níveis de AI, mas os personagens mais difíceis não precisam de horas infinitas para serem derrotados, assim como as dicas disponibilizadas em certos puzzles, e porque só disponibilizadas depois de várias tentativas falhadas da nossa parte, evitaram por completo a necessidade de walktroughs ou cheats.

Sobre a questão do HD, comecei por jogar numa TV standard de 32' e poucos níveis depois passei para uma 40' Full HD, a diferença é verdadeiramente impressionante. Só posso dizer que este jogo não pode ou não deve ser jogado em resolução standard (720x576). Perde-se toda uma riqueza de detalhe que potencia o nosso envolvimento e fica-se claramente a perder na experiência. Já agora o jogo é apenas 720p (1280X720) ou seja, não precisam de uma televisão Full HD, o simples HD Ready é suficiente.